quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O ator renascentista - nível 5

Enquanto a farsa, a moralidade e as Fastnachtsspiele ainda floresciam pelo norte europeu, as inovações renascentistas já tinham transformado o teatro e toda a vida cultural italiana. O homem então, buscava alcançar sua soberania espiritual e moral voltando-se cada vez mais pra a realidade da vida terrena; por outro lado, já em sua ultima fase, o mundo medieval do império de Deus, instituído pela Igreja católica romana, declinava.

Em variadas proporções, um dualismo se interpunha: a busca da realidade e a busca apaixonada de Deus. Os cavaleiros medievais, que se dedicavam a idéias espirituais, deixavam de ser a classe portadora da cultura, substituídos pela burguesia, do espírito prático e racional, que, ao mesmo tempo que construía gigantescas catedrais, se voltava para a realidade da vida terrena.

O final do teatro medieval refletiu as várias crises e revoluções que agitaram o Ocidente, quando o homem, centro desse período de transição, se sentiu arrastado entre o céu e a terra. Foi o teatro renascentista italiano que inaugurou uma nova era, que poderíamos denominar era do império do homem, em relação ao império de Deus, da Idade Média. A Itália assumiu a liderança da cultura européia, que manteve até o século XVII, quando, então, nasceu na França um teatro nacional cortesão.

Desde o fim do Império Romano, o desenvolvimento da vida espiritual e artística era obra exclusiva da Igreja, dos bispados, dos monastérios e dos clérigos, todos conservadores das tradições da Antiguidade. No século XV, quando a Itália recomeça a viver tempos de exuberância econômica e política, essas tradições são reunidas e revistas no sentido da nova concepção antropocêntrica. Evoluiu-se , assim, de uma visão teocêntrica do mundo para outra, onde o homem é o centro de tudo, reformando-se a vida e a arte religiosa, libertando-se o homem do misticismo exagerado e do medo, o que lhe possibilita uma nova maneira de ver a beleza da criação.

Enfim, como tradicionalmente se repete, foi uma retomada da cultura helênica, que, durante todo o período medieval, apreendera a versão latina do pensamento grego. Depois da queda de Constantinopla, o deslocamento de bibliotecas e a imigração de eruditos gregos para a Itália permitiram que o homem se libertasse de dependência das autoridades civis e religiosas, e partisse para a descoberta de novos mundos.

Como na antiguidade, a glorificação de homens e seus feitos refletia o poder e a ambição. Os trionfi romanos eram manifestações soberbas, que envolviam toda a comunidade – como, anteriormente, os mistérios medievais – para glorificar grandes e poderosos senhores, como Lorenzo de Médici, o Magnífico (1449 – 1492), ou o papa Pio II (1405 – 1464), como Cesare Borgia (1475 – 1507) ou o papa Leão X (1475 – 1521). Nesse momento, surgiu o teatro da corte, para o qual os grandes artistas da renascença, como Leonardo da Vinci (1452 – 1519), encarregaram-se da criação e construção de maquinas, edifícios, palcos, ricos cenários, cartazes e alegorias, assim como para os triunfos.

Já vimos que os mistérios na Itália ou, mais exatamente, as sacre rappresentazioni eram representadas com tanto luxo decorativo e artístico que o elemento dramático pouco se desenvolveu devido ao excesso de roupas e cenários. Quando o drama profano surgiu, adotou o mesmo luxo e ostentação, a ponto de desviar continuamente a atenção do espectador do conteúdo poético.

A reforma do teatro antigo realizou-se em dois centros no inicio do Renascimento: Roma e Ferrara, objetivando finalidades diversas:

“Se se quiser estabelecer uma linha divisória para o renascimento do teatro, dever-se-ia citar o ano de 1486, quando os humanistas representaram em Roma a primeira tragédia de Sêneca, e o duque de Ferrara, a primeira comedia de Plauto. Nesse ano pareceram impressos os Dez livros sobre arquitetura de Vitrúvio, cuja difusão contribuiu ara modelar o cenário e o teatro segundo o modelo da antiguidade”.

Sêneca, Plauto e Terêncio eram conhecidos e lidos nas escolas e nos claustros da Idade Média. O aparecimento. Em 1428, de doze comédias desconhecidas de Plauto despertou o problema de como deveriam ser representadas. Os humanistas analisaram os textos através de suas indicações cênicas, compararam com diversos comentários de escritores antigos e experimentaram suas conclusões em ruínas de teatros romanos. Mas ainda assim, somaram o espírito antigo à atividade festiva do presente, o que resultou no culto glorioso do passado. É muito possível que o palco com proscênio neutro e as quatro ou cinco portas ao fundo não correspondesse á realidade antiga, contudo atendia às necessidades do momento.

Os autores dramáticos desse teatro cortesão pertenciam, em geral, à corte ou eram favoritos de principais amantes do teatro. Entre os gêneros dramáticos admitidos, três foram os preferidos: a comédia, a pastoral e o intermezzo, sendo este uma pantomima, alegórica e mitológica acompanhada de canto e música instrumental, que chegava a apresentar dragões, panteras e leões – a festa para os olhos tem papel importante nessa evolução teatral. Raramente eram interpretados por atores profissionais, mas por diletantes da sociedade cortesã ou estudantes.

Essa comédia erudita foi se afastando lentamente do modelo antigo, embora mantendo a decoração única, com vistas a obedecer às unidades de tempo, lugar e ação. Pela proximidade dos temas com a vida diária, os atores apresentavam uma atuação muito livre e solta, que possibilitava a improvisação. Muitos padrões típicos foram pela primeira vez enriquecidos com traços característicos, a ponto de alargar o repertório de gestos tradicionais, tendo em vista as novas condições resultantes da perspectiva do tempo e do espaço. Enquanto no teatro medieval o espectador ia de lugar em lugar acompanhando os atores e, às vezes, realizando ele mesmo todas as mutações do espetáculo, o espectador renascentista não estava mais incluído na ação, mas era um observador. E aquele a espectador assistia a um ator de grandes gestos.

É claro que a transição do teatro monumental da Idade Média, realizado ao ar livre, para o palco limitado, dentro de uma sala fechada, condicionou uma transformação completa no estilo da interpretação teatral. O gesto monumental e simbólico deu lugar a movimentos, deslocações e gestos muito mais medidos, adaptando-se ao ritmo imposto pelo palco limitado. Não somente os gestos tornaram-se mais discretos, como passaram, aos poucos, a refletir nuances relativas ao caráter, idade, sexo e situação social das personagens. A palavra não era mais interpretação da ação e dos gestos simbólicos, mas ação e gestos eram também elementos da interpretação da palavra, daí ela ter se revestido de um caráter declamatório. Quando mais a palavra se tornava expressiva, tanto mais a gesticulação se revestia de expressividade e concisão. Um dado fundamental à interpretação teatral do ator começa a ganhar importância: a mímica do rosto, a expressão facial.

No largo palco da renascença a atuação dos atores se desenvolvia em relevo, e todos os movimentos decorriam da esquerda para a direita e vice-versa: ainda não se instituíra a ação no sentido da profundidade do palco. Os agrupamentos cênicos eram ordenados simultaneamente, o que refletia a preocupação de obediência aos princípios neo-aristotélicos da poéticas renascentistas. Por outro lado, a fonte bibliográfica mais importante para conhecermos aspectos, embora não muito aprofundados, da interpretação teatral da comédia palaciana da Renascença da Itália é o Dialogo terceiro sobre a arte do teatro do teórico e comediógrafo italiano Leone de Sommi (1527 – 1592). Para ele o traje é da máxima importante nesse espetáculo cortesão, que exige indumentárias suntuosas e, para reforçar o efeito, trajes exóticos ou históricos. Para que a ação dramática ganhasse a moldura faustosa da decoração renascentista, todos os trajes deveriam ser exagerados nas suas cores e formas para enaltecer o magnífico e o extraordinário.

Durante a Renascença, os atores diletantes do ambiente da corte ou acadêmico foram aos poucos sendo substituídos por atores profissionais. Desde Ângelo Beolco (1502-1542), cognominado Ruzzante, grande ator e dramaturgo, ate a galeria de precursores e interpretes da commedia dell’arte, observamos uma evolução tão exuberante que tornou a Itália um dos grandes coentros europeus do teatro profissional. Ângelo Beolco foi o primeiro a transformar-se de ator em autor, sendo considerado o pai do profissionalismo italiano e, ate mesmo, europeu, abrindo caminho para Molière e Shakespeare. Ele, efetivamente, inaugurou uma nova época, em que os atores começaram a ficar conhecidos. Surgiu, a partir daí, o culto da individualidade, uma das marcas do Renascimento. Escreveram-se as primeiras biografias, e a vida particular passou a ser conhecida, surgindo a vedete. Certamente, isso estaria refletindo o monoteísmo medieval, agora o nível do humano. O ator medieval representava no meio do publico; o ator renascentista era observando, assistindo em destaque no novo palco italiano.

A Renascença invadiu a França numa época de forte concentração do poder real. O brilho da corte de Paris era ainda menor que o das numerosas pequenas cortes dos príncipes italianos. A alta aristocracia esforçava-se por contradizer as tendências centralizadoras dos reis, e as lutas religiosas provocavam numerosas situações criticas.

As entrées solennelles, realizadas pelas ruas cobertas e ricamente ornamentadas para os festivos cortejos – como o que comemorou a entrada de Carlos IX (1550-1574) em Paris, em 1572 -, tinham as características dos trionfi italianos. O Ballet Comique de la Reine, de 1581, tornou-se mundialmente famoso quando de sua apresentação em Versalhes por ordem do rei Henrique III (1551-1589), a partir do qual, os ballet comédie acresceram-se de recitações, ária, pantomimas e danças, ganhando assim unidade teatral. Mais de dez mil pessoas assistiram àquele espetáculo. Nele, a dança era o elemento mais importante. Nesse novo gênero teatral tipicamente francês, o ator-bailarino realizava movimentos bastante geométricos, daí o nome: ballet mesure. A rainha e suas damas de corte representavam no Ballet Comique de la Reine iniciando uma linha evolutiva que alcançou o rei Luís XIV (1638-1715) com o seu papel predominante no balé e no teatro da corte. O conceito social do ator renascentista francês apresentou sensíveis melhorias.

Os atores do teatro falado, de início, também forem diletantes, mas organizados em companhias como as medievais, já vistas. A profissionalização apareceu relativamente tarde. Como a atividade das antigas sociedades, como a Confraria da Paixão ou a Basoches de Paris, se tornara cada vez mais limitada e dificultada pelas autoridades no decorrer das lutas políticas e religiosas, essas companhias deixaram aos poucos de desfrutar dos antigos privilégios. Começaram, então, a alugar suas dependências às novas companhias de atores profissionais formadas nas província e convidadas a se apresentar na corte. Os atores italianos foram os primeiros a percorrer a França, ate aparecerem em Paris, a partir de 1530. foram em geral contratados pelos cortesãos, como os famosos I Comici Gelosi, em 1571, para depois se apresentarem ao publico mais amplo.

Já na primeira metade do século XVI, os atores se profissionalizaram a partir de Jean de l’Espine, que terá sido, provavelmente, o primeiro a tentar a organização de uma companhia teatral francesa. Saído de uma daquelas companhias de diletantes, a Enfants sans Souci, recrutou seus próprios filhos e compôs o elenco.posteriormente, ainda no correr do século XVI, inúmeras companhias, a exemplo dos italianos, passaram a contratar mulheres. Em 1599, a companhia de Valleran-Lecomte, com sua mulher Marie Vernier, estabeleceu-se definitivamente em Paris, no Hotel de Bourgogne, alugado da Confraria da Paixão, e o profissionalismo já predominava criando bases para o apogeu do teatro francês do século XVII. As companhias italianas continuaram promovendo forte concorrência aos franceses, que, apesar disso, sofreram mais influencia de seu teatro, conforme atestava a sólida admiração de Jean-Baptiste Poquelin (1622-1964), cognominado Molière, por Tibério Fiorilli (1608-1694), cognominado Scaramouche.

Na província, surgiram grupos para a representação de uma nova arte dramática, nos quais sempre estiveram presentes os estudantes. A vida cultural provinciana ainda era muito rica, enquanto o predomínio da capital não a tinha sufocado. Somente durante os anos anárquicos de 1586-91 as representações foram interrompidas. Alguns desses grupos estudantis se profissionalizaram, apresentando, pelas varias cidades, tragédias, que se tornaram o gênero predominante do teatro clássico francês, além de intensificar a educação do publico. Foi também na província que as companhias profissionais, cada vez mais numerosas, incluíram tragédias e comédias em seus repertórios. Apresentavam sempre uma tragédia e encerravam a representação com uma comedia ou farsa.

Robert Garnier (1544-1590), juiz, estadista e dramaturgo dos mais i8nfluentes da Renascença francesa, aprofundou-se no estudo do caráter feminino, alimentando assim uma interpretação mais psicológica para as grandes atrizes do século XVII, que ultrapassava os limites impostos pela eloqüência.

Quanto à encarnação, temos, de um lado, as representações relativamente pouco numerosas, mas suntuosamente decoradas das cortes italianas e, de outro, as representações dos colégios e das companhias profissionais, de palco neutro e simples, limitado por tapetes e cortinas. Enquanto as encenações de tragédias e comedias eram exceções nas cortes, em comparação com as encenações dos bales dramáticos, os teatros dos colégios cediam à improvisação dos novos gêneros dramáticos das companhias ambulantes.

O teatro alemão na Renascença não conheceu uma decoração pintada no sentido de uma determinação realista do espaço. O palco era sempre neutro, para que o ator pudesse criar a ilusão cênica do lugar. Às vezes, o palco traseiro era utilizado para representar diferentes interiores, um após o outro, realizando-se, assim, o palco sucessivo.

Falamos, ate aqui, do ator renascentista do teatro ligado às cortes e escolas da Europa, da comedia erudita, também chamada commedia sostenuta, deixando a visão barroca da interpretação teatral para mais tarde.

Vamos, agora, observar os intérpretes profissionais, os comediantes mais populares, como os da commedia dell’arte, onde o ator dominava soberanamente, o ponto de ela ser considerada o primeiro grande laboratório do ator moderno. A palavra ARTE aparece aqui no sentido do ator de profissão, do ator de qualidade aprimorada, do ator especialista, diverso do diletante. Para PIERRE-LOUIS DUCHARTRE, devemos entender commedia dell’arte como um gênero de comédia “que não poderá ser verdadeiramente bem interpretada se não por gens du metier [SIC]”. Por tratar-se de uma comédia diferente da comédia escrita, somente os amadores excepcionalmente dotados para a improvisação poderão interpretar este gênero, já que por seus dons naturais serão considerados “hommes de Part”.

O ator da comédia erudita da corte logo declinou, em vista da concorrência da ópera, do drama lírico. Por outro lado, a partir de 1545, a comédia popular passou por um período de grande evolução com o aparecimento dos primeiros comediantes, aos quais se juntaram grupos de atores vindos de todas as camadas sociais. A improvisação, assim como a voz, a gesticulação e a mímica corporal, ganharam importância ainda maior.

“O dualismo entre teatro literário e teatro popular ressurge na forma mais rígida. Os dois teatros desenvolveram-se independentemente um do outro, no mais geométrico paralelismo: eles se desconhecem. E a diferença básica já começa a ser esta: o teatro das cortes é escrito, forma-se imediatamente sobre os modelos gregos e latinos, e não consegue alcançar resultados propriamente teatrais; o teatro do povo é improvisado, leva quase dois séculos antes de se formar definitivamente, não tem quase modelos e alcança resultados exclusivamente teatrais”.

Inúmeros atores ficaram famosos a contar do paduano Angelo Beolco, com o seu divertido Ruzzante. Seu discípulo e continuados, Andréa Calmo (1510-1571), de Veneza, como seu mestre, também explorava os achados verbais oriundos dos vários dialetos italianos; Alberto Ganassa, de Bérgamo, ficou conhecido por seu Arlequim na corte francesa de Carlos IX; Flamínio Scala, diretor da companhia I Comici Gelosi, ficou famoso como enamorado Flávio; Francesco Grazzizno (1503-1584), cognominado il Lasca, e, sobretudo, Tibério Fiorilli, conhecido como Scaramouche, que se imortalizou como o “mestre de Molière”, assim como ganhou o titulo de “comediante de reis e rei dos comediantes”. É grande a relação de nomes que ganharam a admiração publica com sua arte de interpretar comedias. A partir da Itália conquistaram outros paises, especialmente a França: I Gelosi passaram a denominar-se Comédiens du Roi, elenco fundado pelo cardeal Mazarino no reinado de Luis XIV. Isabella Andreini, alem da admiração do rei Henrique II, tornou-se a mais famosa atriz da commedia dell’arte, conhecida também graças aos versos que lhe dedicou Torquato Tasso (1544-1595), tendo recebido grandes homenagens quando de seu sepultamento, em 1604.

Famílias inteiras de atores profissionais se sucediam, passando de geração a geração suas técnicas particulares e a disciplina rigorosa para o exercício cênico. Uma coleção de gestos e movimentos corporais adequados, de expressões fisionômicas e mímicas sustentava o brilho de suas interpretações, que pareciam ser improvisações do momento.

A tradição do improviso foi herdada dos mimos ambulantes, que tinham a qualidade de se adaptar aos costumes do lugar em que se apresentavam. Assim, ela teve suas raízes na vida popular e evoluiu em oposição ao tetaro literário dos humanistas.l seu impulso mais imediato viria dos festejos carnavalescos, com seu desfile de mascaras, seus trajes satíricos, suas representações acrobáticas. Não apresentavam convenções literárias, nem mesmo um texto apropriado; não tinham uma casa de espetáculos, mas uma palco improvisado, que poderia ser montado a qualquer momento e em qualquer lugar, o que não comprometia o nível excelente e cada vez mais aprimorado de suas representações. Ainda se apresentavam para um publico desordenado e livre para se locomover e se distrair com os outros objetivos. Por tudo isso, os estilos dessas representações era direto, rápido e extraordinariamente sensível à menor manifestação dos espectadores, dando ensejo, assim, a um virtuosismo construído habilidosamente.

O ator desse teatro treinava habitualmente a sua voz, seus gestos, buscando despersonalizá-los. Seu treino diário incluía o exercício e o estudo da musica, da dança, do mimo, da esgrima e exercícios de circo e prestidigitação.

O elenco compunha-se de oito atores, em media, para o desempenho de dez a doze personagens, que se especializavam em determinados tipos de igual importância. Não obedecia a um texto escrito mas a um esquema cujos extratos eram colocados lateralmente na cena, e a partir do qual improvisava sob a orientação de um diretor de cena, o corago. Esses esquemas ou roteiros inspiravam-se em fragmentos de comedias eruditas, como as de Terêncio e Plauto, mas basicamente apresentando sempre uma mistura desordenada de equívocos. A partir daí, cresceu desproporcionadamente a importância do ator e desapareceu, quase por completo, a figura do poeta dramático italiano.

“Todas as possibilidades de uma representação cênica onde dominam a liberdade e o talento do ator eram permitidas, de uma representação que se desenvolvia e variava à medida da improvisação, no meio das intrigas mais complicadas, com surpresas sempre preparadas para seduzir os espectadores. Essas qualidades de acrobacia, dança, argumentação, exigidas ao ator, derivavam também do conhecimento de atos humanos observados na vida e restituídos com todo o espírito de realidade possível. A sua ousadia influenciaria a comedia e mesmo o gênero das pastorais, que prosseguiu a sua evolução durante todo o século XVI”.

As personagens que compunham essa galeria tradicional de mascaras incluíram: o Arlequim (Arlecchino), uma das mais antigas mascaras de comédia e das mais populares, era o esperto criado vindo de Bérgamo, sempre esfomeado, que vestia uma roupa cheia de remendos coloridos e usava uma meia mascara preta com uma testa alta, alem de ser excelente dançarino e servir-se sempre dos demais criados, como ele, chamados zanni.

“O zanno aparece de preferência como uma fusão de dois. É inteligente e malicioso ou amável e tonto, mais nos dois casos, glutão. [...] Seguidores dos zanni são Brighella e Arlequim, são os Trufaldinos, Trivallino, Coviello, Mezzetino, Fritellino, Pecholino, são Hanswurst, Peckelhering, Pulcinella de Acerra converteu-se, na Inglaterra, em Punch; na França, em Polichinelle; na Rússia, em Petruschka, e o Kasperl alemão adotou algumas de suas formas”.

Um segundo criado era o Brighella, também bergamasco, o mais inquietante de todos; veiculador de intrigas, tem seu nome originário de briga. No século XVIII tornou-se personagem tão importante como Scapino ou Sganarello; um terceiro e destacado criado era o Polichinelo, napolitano, sentimental, guloso, preguiçoso e fatalista, tinha o privilegio singular de possuir dois pais, Maccus e Bucco, personagens das atelanas, vestia-se de branco e era inigualável cantor; e, por fim, cabe destacar a Columbina, que também aparece com os nomes de Esmeraldina, Coralina, Diamantina etc., e que era a correspondente feminina de Arlequim, uma criada que buscava sua ascensão social ou após a Revolução Francesa, permanecia fiel à sua condição. Alem dos criados, entre os mais distinguidos na escala social, destacava-se: o Pantaleão (Pantaleone), cidadão veneziano e velho mercador de longas barbas vermelhas, que descendia do antigo Pappus, e era um avarento negociante que segurava os aristocratas com os seus empréstimos; o Doutor (Dottore), um medico ou advogado formado na universidade de Bolonha, de respeitável idade, vestido de preto, sempre portando livros para usa-los nas ocasiões em que necessitasse, especialmente nas longas e prolongadas discussões em que se envolvia com Pantaleão. Incluía-se ainda o Capitão (Capitán), descendente do miles gloriosus da comedia romana da ultima fase, que era mentiroso, covarde e sempre se gabava de suas façanhas bélicas; era, geralmente, italiano, espanhol ou francês, e enamorado de inúmeras princesas. Por fim, vale destacar ainda o Pedrolino, um valet mais elaborado e amoroso, mais divulgado pelo tipo francês do Pierrô; e os Amorosos (Innamorati), pares jovens e românticos, de boa aparência e sem mascaras, irrequietos e um pouco ridículos, de linguagem aprimorada, “traduzindo mais uma maneira de ser do que uma personalidade”.

Tais máscaras desde logo alcançaram a perfeição. Qualquer assunto era usado como tema para ganhar inúmeras peripécias na cena, onde os truques e efeitos, chamados lazzi, manifestavam seu substrato popular e tinham uma característica dramática que se tornou própria da commedia dell’arte, mas que vai chegar aos tempos modernos com o Carlitos de Charles Chaplin (1889 – 1977).

“O ator improvisava todo o seu texto? Exceto as ocorrências que o seu demônio lhe sopra ou que nascem de algum incidente, geralmente premedita cuidadosamente seu trabalho e sua repercussão. [...] Mesmo quando se expande em precipitação, o discurso não dirige a ação; parece, quando muito, nasce dela. De qualquer modo, só executa a parte que lhe é destinada no conjunto. Além do mais, o fato de vir mascarado estende sua mímica a todo o corpo: a mímica se converte em dança . assim a naturalidade obedece à fantasia; o virtuoso preserva a espontaneidade”.

A contribuição de commedia dell’arte ao aprimoramento do ator foi o primeiro grande momento de historia que se possa contar sobre ele. Sua arte de improvisar, que a princípio poderia parecer simplesmente espontânea, era adquirida após seqüentes exercícios preparatórios. Existem tratados e composições, manuscritos ou impressos, como os zibaldoni, libretos que continham as partes mais difíceis e, especialmente, as amorosas. Alguns depoimentos, como as Memórias de Domenico Biancolelli (1661) ou L’arte rappresentativa de Andréa Perruci (1699), dão conta de que tais efeitos eram passados de pai para filhos, memorizados, modificados e aprimorados pelos mais novos, tendo se criado assim um extenso acervo para o ator. Este ator resultante de um processo evolutivo e nascido das manifestações espontâneas do popular vai de imediato contagiar outros povos. Na França, onde condições de vida eram mais estáveis com o crescimento de Paris como capital, o ator parece ter alcançado melhor posição social. Desenvolveram-se as companhias teatrais, como Théâtre Français, antigo Hotel de Bourgogne, que passou a ser administrados por um empresário permanente; o Théâtre Marais, que tinha como sua grande estrela o ator Mondory (1594-1651); a comédia Italiana, onde, desde 1659, atuara Molière, com grande sucesso.

Ainda no século XVI, em Paris, vamos encontrar o Teatro de Feira, onde se apresentavam charlatães que parodiavam com muito êxito os comediantes franceses. Dentre eles se destacou Tabarin, cognomede Antoine Girard, com seu irmão Mondor, que vendia drogas enquanto ele fazia piruetas e contava anedotas, explorando o gênero pornográfico. Trava-se de um teatro mais difícil, que não admitia amadores, mas profissionais eficientes. Tabarin fez fortuna e segundo alguns historiadores, teria renegado seu passado artístico ao se retirar para o domínio senhorial, próximo de Paris. Segundo a lenda, morreu assassinado numa emboscada.

Em sua infância, Molière teria assistido Tabarin nos espetáculos de feira. Depois de tentar o gênero trágico, em Paris, reuniu um elenco e percorreu a província francesa, oportunidade em que encontrou os atores italianos e, com eles, exercitou sua vocação para a comédia. Retornou a Paris em 1658, alternando suas apresentações no teatro Petit Bourbon com os atores do celebre Scaramouche, de Tibério Fiorilli, com cujo convívio muito lucrou. Graças ao patrocínio de Mazzarin, criou juntamente com Jean-Baptiste Lully (1632-1687) a comedia-balé para entretenimento dos cortesãos, oportunidade em que apresentava suas comedias.

Graças a aprendizagem com os atores italianos, a representação dos atores de Molière tornou-se mais apurados, ao mesmo tempo que valorizou aos poucos os aspectos literários de construção dos enredos, dos diálogos e da própria ação dramática. Seu estilo requintado criticava a própria sociedade que o assistia. Seus atores obtiveram funções oficiais na corte. Como intérprete, Molière sabia utilizar a mímica em sua atuações, assim como a interrupção e o contraste. Sua teoria do ator, portanto, se apoiaria na pratica e experiência do comediante.

Molière morreu, praticamente, em cena, quando representava sua comédia O doente imaginário, em 1673. para seu sepultamento, foi necessária a intervenção do rei Luís XVI, uma vez que lhe fora negada a extrema-unção e o campo-santo. Por fim, o arcebispo de Paris concedeu que o sepultamento se realizasse durante a noite, às escondidas... “Molière foi tão apaixonado ator como compositor de comedias. Como autor escrevia para o ator, como ator guiava a pena do autor”.

Na Espanha do século XVI, encontraremos o autor e ator sevilhano Lope de Rueda (1510-1565), que também foi influenciado pelos comediantes ambulantes da Itália. Foi um fértil preparador do teatro espanhol, que culminaria em Lope de Vega (1562-1635). Inventou uma peça curta chamada paso, que era apresentada em praça publica para atrair a multidão para suas comedias. Segundo Cervantes (1547-1616), todo o equipamento do ator de Rueda cabia num saco:

“Era constituído quase só por quatro jaquetas de pele de carneiro, brancas e bordadas a cabedal dourada, quatro barbas e cabeleiras postiças e quatro cajados de pastor. [...] A própria cena era composta de quadro bancos sobre os quais se apoiavam algumas tábuas, o que elevava os atores a um palmo acima do solo. Não se viam descer do céu nuvens transportando anjos ou almas. O cenário consistia numa velha cobertura que se estendia de um lado a outro do palco sobre duas cordas, formando aquilo a que se chamava vestiário. Atrás dela eram colocados os músicos, que cantavam sem guitarra qualquer romanza antiga”.

Lope de Rueda foi considerado o precursor do Gracioso, a personagem cômica aprimorada de Lope de Vega.

Na Inglaterra, o carpinteiro James Burbage, pai do celebre Richard Burbage (1567-1619), que teria sido o primeiro interprete shakespeariano, constituiu, fora do perímetro urbano, o primeiro teatro estável de Londres, em 1576. Denominou-o The Theatre. Foi primeiro teatro europeu para atividades comerciais. Quando William Shakespeare (1564-1616) chegou a Londres, a cidade já contava com mais dois teatros isabelinos: The Curtain e The Rose.

Em 1546, enquanto o Quenn’s College expulsava todo estudante que se negasse a atuar numa comedia ou tragédia ou que não assistisse à sua representação, as apresentações teatrais ainda se realizavam com companhias ambulantes de atores. Em 1572, uma lei exigiu que os atores se constituíssem em companhias sob proteção de um nobre; caso contrario seriam considerados vagabundos e marginais. O rei Ricardo III já contava com atores sob sua tutela antes mesmo de subir ao trono em 1483, e o rei Henrique VIII economizava as custas das viagens acompanhando-se de atores ambulantes, o que agradava muito ao povo. Em 1574, lorde Leicester reuniu um elenco de interpretes, entre os quais se encontrava em destaque o mesmo James Burbage, que vinha trabalhando numa hospedaria da Grace Church Street. Em 1594, esse local serviu como sede de inverno da Lord Chamberlain’s Men, do qual fazia parte Shakespeare. Quando o jovem ator William Shakespeare chegou à cena londrina, em 1586, o interprete teatral já tinha assegurado seu lugar na vida profissional.

Os atores mais destacados eram contratados pelo Her Majesty’s Players. Com o correr do tempo constituíram-se vinte e quatro companhias, que, certamente, não trabalhavam todas ao mesmo tempo. Shakespeare, por exemplo, que antes de integrar a de lorde Chamberlain já estivera com a Lord Hudson’s Men, trabalhou, por fim, na The King’s Men até se tornar co-proprietário da The Globe, em 1599. Apareceu em pequenos papeis até 1603, quando passou a se dedicar às atividades de autor e empresário teatral até se retirar para sua terra natal, em 1612 – um ano antes do incêndio de seu teatro.

Segundo depoimento do padre holandês Johannes De Witt, de Utrecht, que chegou a Londres em 1596, existiam então naquela cidade quantro teatros, dos quais os mais belos seriam The Rose e The Swan, sendo este o maior. De Witt deichou para a posteridade a única cópia do interior de um teatro elizabetano, conforme um esboço desenhado. Os outros dois teatros seriam The Fortune (erguido em 1600) e The Globe.

Até 1592, aproximadamente, os drams de Christopher Marlowe (1564-1593) foram representados pelos atores da Lord Admiral’s Men, entre os quais estava Edward Alleyn (1566-1626), talvez o mais célebre da época ao lado de James Burbage, também famoso por sua força expressiva mesmo nas cenas mudas. Para ambos o grande momento do ator chegava quando avançavam até a beira do palco e diziam o grande discurso, mostrando suas lagrimas e fazendo o auditório estremecer com palavras cruéis. Este patetismo, Shakespeariano vai criticar em seu conselho aos atores no Hamlet, ato III cena II.

“Em tudo isto não existe qualquer mistério, mas antes evidente convenção, aceita por todos, e que torna supérfluo qualquer cenário propriamente dito. Nesse lugar ideal (múltiplo e simultâneo) para a ação dramática, apenas se introduzem tapeçarias, praticáveis e numerosos e variados adereços. Nele o ator está à vontade para representar, e para valorizar a riqueza e o luxo dos seus diversos fatos. Aí se desenrola a peça sem interrupções, num movimento rápido, com o concurso de uma numero a figuração de músicos, de fanfarras, de canções, assim como de ruídos, como os da tempestade e do vento, por exemplo, e até tiros de canhão... Mas sem jogos de luz, pois as representações realizavam-se à tarde, sugerindo a iluminação posteriormente, na altura em que se construirão os teatros cobertos.”.

O publico envolvia a parte proeminente do palco atuando e fazendo barulho, agredindo, às vezes, os atores e o autor; quase convivia com o espetáculo atirando comida ou cascas nos atores que não lhe agradavam. Ainda não tínhamos uma distinção entre ator e publico, e o comportamento deste lembrava os teatros feiras. Em 1642, os puritanos, vencedores da revolução burguesa na Inglaterra, Fecharam os teatros; Na França, Molière inaugurava o Illustre Théâtre.

A Alemanha foi visitada por companhias inglesas entro os anos de 1585 a 1659, as quais se apresentavam com grande sucesso representando sempre um inglês. Em 1586, cinco atores, sob a direção de William Kemple, apresentaram-se na corte de Dresden; em 1592, Robert Browne, com maior número de atores, viajou pela Alemanha. Algumas companhias permaneceram sob o patrocínio de príncipes e nobres. Logo apareceram os imitadores, que, inicialmente, representavam em inglês até surgirem as traduções integrais.

Os atores ingleses levaram um tipow de personagem cômico, como o bufão, o arlequim, que se apresentava mesmo nos intervalos das grandes tragédias. Assim foram criados os tipos cômicos: Pickelhering e Hans Knapkäse. O ator inglês Thomas Sackville, em 1592, chegou à Alemanha apresentando o seu palhaço Fan Bouschet, que, mais tarde, transformou-se no Molkenbier. O duque Heinrich Julius de Brunswick, fascinado com o seu trabalho, escreveu uma dezena de comédias, fortemente moralizadas, para a interpretação de Sackville. Aos comediantes ingleses, que não eram os melhores, uma vez que fugiam à intensa competição na Inglaterra, pagava-se melhor do que aos alemães 1628, estes recebiam a metade do valor que se paga àqueles.os alemães Treu, Eckher, Kühlmann, entre outros, inclusive clérigos que abandonaram a vida eclesiástica pelo teatro, possuíam elevado grau de instrução apesar da lamentável desconsideração social ao ator alemão. Isto iria perturbar até fins do século XVIII, devido à reputação de inúmeros atores marginais das bufonas sem valor literário, nem sempre reconhecidas pela igreja e pela sociedade, os quais costumavam recorrer à improvisação teatral, por influencia dos italianos, já que a meta era agradar ao publico a qualquer preço.

A companhia de Johan Valthen (1640 – 1693), que compunha principalmente de estudantes, realizou excursões pela Alemanha apresentando textos de Molière, Goldoni, Calderón e Corneille. Em 1685, seus atores foram nomeados comediantes da corte as Saxônia, formando assim o primeiro teatro real Alemão. Nele, a arte da improvisação permaneceu, sendo, em algumas cenas, conservado o texto original, enquanto se improvisava o restante. O discípulo de Velthen, Anton Joseph Stranitzky (1676-1726), considerado o fundador do teatro popular vienense, aproveitando as lições do mestre criou um Arlequim mais autentico na figura do Han Wurst (João Salsicha), calcado no Pickelhering e retirando da psicologia popular com o estudo da psicologia humana, para reproduzi-la de forma artística.

O Renascimento no teatro assistiu ao aparecimento da atriz,que, aos poucos, foi ganhando o primeiro plano a ponto de se tornar também autora teatral, como Aphra Behn (1640-1689) durante o teatro da Restauração na Inglaterra. Os ingleses assistiram à representação de uma atriz pela primeira vez num elenco francês enviado por Luís XIII, em 1629, tendo sido a Inglaterra o ultimo país a aceitar uma mulher no palco, enquanto a commedia dell’arte contava com a presença feminina desde suas origens.

Buscando a diferença entre o ator, assim como entre o teatro, de maneira geral, do Renascimento e o do Barroco europeu, quando o teatro se tornou o mais alto acontecimento artístico, observamos que o ator estava inserido num mundo, o palco, onde “Deus seria o autor e o encenador desse teatro universal”, conforme referiu Ruggero Jacobbi. O homem era um ator na mão de Deus, e o teatro, parábola do mundo, foi a arte central de todo aquele período. Não houve nação européia que não fosse atingida pela onde teatral barroca; nem mesmo as comunidades luteranas e a sua burguesia resistente à Contra-reforma. O teatro renascentista contentava-se – com exceção dos intermezzi italianos, cheios de alegorias – com decorações simples e alusivas, reservando à palavra, ao gesto e ao traje, portanto ao ator, o efeito mais sugestivo.

O processo de mutações rápidas dos bastidores correspondeu à imagem barroca d mundo e do homem. Para obter o espaço necessário a todas as transformações cênicas, o palco renascentista, muito largo, aprofundou-se. Nele, o interprete, sua atuação mímica, apareceram mais extrovertidos e dinamizados por refletirem a transição incerta entre a realidade e a ilusão. é característico da época barroca o teatro no próprio teatro, produzindo a duplicação da ilusão. E, como o barroca entende o mundo como um palco dirigido pelo encenador divino, o teatro dessa época é teatro dentro do teatro do mundo.

A transformação mais radical da organização e da estrutura do teatro, num paralelo com a renascença, resultou do fato de que o teatro se profissionalizou cada vez mais. Enquanto o teatro escolar e o teatro das ordens religiosas permaneceram teatros diletantes de professores e alunos, o profissionalismo do teatro conquistou toda a Europa com as companhias ambulantes dos diversos países. A grande época do teatro barroco é, por isso, a fase na qual se organizou o teatro ocidental moderno.

COMO ATUAM OS COMEDIANTES ITALIANOS

GHERARDI, Evaristo (1670-1700).


Os comediantes italianos não aprendem nada elo coração, lhe é suficiente, para interpretar uma Comedia, apenas ter observado o sujeito (personagem) um momento antes de estar em cena. Também as mais belas de suas peças são inseparáveis pela ação. O sucesso de suas comedias depende totalmente de seus atores, que dão maior ou menor brilho conforme tenham mais ou menos espírito, e conforme a feliz ou infeliz situação em que se encontrem interpretando.

É essa necessidade de atuar instantaneamente que torna difícil substituir um bom comediante Italiano quando, infelizmente, esse vier a faltar. Não tem ninguém que não possa aprender pelo coração (emoção) e recitar sobre o palco aquilo que tenha aprendido; mas se trata de outra coisa com o comediante italiano> Quando se diz um bom comediante italiano, fala-se de um homem que tem profundidade, que atua mais pela imaginação do que pela memória, que compõe interpretando tudo aquilo que diz, que sabe usar (secundar) tudo aquilo que encontra na cena, ou seja, que casa muito bem suas ações e suas palavras com as de seu comparsa, que sabe entrar imediatamente em qualquer jogo cênico e em todos os movimentos que o outro lhe propõe.

Ela não é como um ator que atua simplesmente de memória: ele jamais entra em cena sem empregar nela, instantaneamente, aquilo que tenha aprendido pela emoção, ficando de tal modo ocupado que, sem se ligar aos movimentos e gestos do seu companheiro, segue o seu roteiro com a impaciência furiosa de se livrar de seu papel como de um fardo que o fatiga de mais [...]

(Advertência à edição de 1694 da compilação “Teatro Italiano”)


trecho do livro HISTÓRIA E FORMAÇÃO DO ATOR - Enio Carvalho

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