quinta-feira, 2 de outubro de 2008

DO SÉCULO XVIII AO TEATRO CONTEMPORÂNEO: A FORMAÇÃO DO ATOR - Nível 6 e 7

“Cada vez que vou sublinhar uma boa frase minha língua se torna pastosa e a respiração desordenada me estrangula a garganta. Admito Moliere e seus comediantes, que sabem fazer tudo o que não posso por mais rei que eu seja.”

LUÍS XIV, opud E. Bayma, Consejos para um comediante.

As teorias do ator

Até o século XVII nascer, evoluir e se instituir esse patrimônio central do teatro que é o ator. O ápice dessa trajetória, acontecido no lado ocidental da historia do ator, ocorreu com os comediantes italianos do renascimento, já que a commedia dell’arte deve ser reconhecida como a primeira grande oficina de interprete cênico. Foi durante seu extenso período que encontramos mais objetivado o processo de formação do ator, quando até mesmo se cuidou de escrever alguns ensaios.

O século XVIII, e com ele a atividades dos novos teatros em inúmeras cidades, assim como o desenvolvimento de diversas companhias profissionais e o extraordinário êxito de grande numero de atores, trouxe o reflexo imediato desse processo de aprimoramento setorizado da interpretação teatral: conflito de teorias sobre estas atividades. Essas teorias, em alguns momentos, como verdadeiros tratados estéticos, estariam ligadas a sistemas gerais de filosofia, embora poucas apareçam formuladas organicamente. Com a dramaturgia não aconteceu o mesmo, pois podemos encontrar inúmeras estéticas, que evoluíram desde a Antiguidade clássica até o contemporâneo. O espetáculo também suscitou apreciações criticas como obra de arte, que , embora não chegassem a se constituir como estéticas teatrais, ganharam a consideração de verdadeiras poéticas ( ou seja, teorias de literatura dramática embora não necessariamente escrita em versos), e foram fruto de meditação historicamente recente porquanto surgiram de uma nova realidade teatral que da importância ao diretor como responsável central pelo fenômeno global do espetáculo.

A maior parte das teorias do ator resulta de manuais sobre técnicas particulares de representação, ou são depoimentos, prefácios, cartas, autobiografias, enfim, documentário com observações sobre a natureza da psicologia da profissão do comediante. Entre outros trabalhos, destaca-se o impacto polemico da teoria do filosofo Denis Diderot, a tentativa de sistematização completa do ator-diretor Constantin Stanislavski e a atualidade dos problemas e sugestões levantados pelo dramaturgo Bertolt Brecht.

Mas, retornemos nossa evolução histórica.

Desde 1686 as mulheres, finalmente, subiram à cena em toda a extensão territorial européia, enquanto o comediante Joseph Stranitzky exibia com sucesso arlequinesco e guloso Hans Wurst em peças improvisadas no Karntnertortheater de Viena, seu primeiro local permanente de representação, fundado em 1780. Na primeira metade do século XVIII, o teatro alemão melhorou sensivelmente devido a literatura, contudo seus atores ainda usavam a improvisação, mas já se notando um nível artístico mais elevado. A importância artística oumentou a ponto de fundarem uma escola onde os defeitos eram corrigidos, ponto de partida para o posterior desenvolvimento da arte teatral alemã.

O desenvolvimento de algumas companhias, como a de Conrad Ackerman, e o êxito dos atores e atrizes, como Frederica Carolina Neuber (1697-1760), de Leipzig, influenciados pela a idéia dos filósofos franceses e ingleses, assim como pela penetração das companhias italianas,tornaram possível a elaboração de novas formas dramáticas. Dotada de um vigoroso talento organizador, Carolina Neuber estabeleceu para sua companhia uma disciplina modelar, que cuidava da assiduidade, da pontualidade e da moralidade entre seus atores. Vigiava a dicção buscando despertar no ator a idéia ainda não existente de expressão e estrutura. Imitando o estilo clássico dos franceses, os atores neuberianos prolongavam as palavras de forma monótona e um tanto distante da realidade, o que foi motivo de ridículo. Esses atores, influenciados por Christoph Gottsched (1700-1766), professor da Universidade de Leipzig, também preocupado em elevar o nível cênico e dramaturgico, preferiam o classicismo francês em detrimento da dramaturgia inglesa e do mimo com sua qualidade de improvisação. Chegaram ao ponto de excluir o Arlequim de sua cena, apesar da preferência popular.

Promoveu reforma no guarda-roupa, que deixava de ser extravagante, assim como na interpretação teatral, sempre buscando diminuir a importância da improvisação. Segundo Leon Chancerel, a atriz Rietti de A vocação teatral de Wilhelm Meister de Jhoann Wolfgang von /goethe (1749-1832), que outra não era se não Carolina Neuber, confessa:

“Quanto lamento que os comediantes tenham perdido o costume de improvisar! Cem vezes me reprovei ter contribuído para esta decadência. Naturalmente não teria sido mister conservar as antigas grosseiras, nem renunciar representar boas obras. O ator teria conservado o costume se tivesse improvisado somente uma vez por semana; o publico, o gosto pelo gênero e isso teria resultado em vantagens para todos, já que a improvisação era escola e pedra de toque, para o ator. Não se tratava somente de saber seu papel de memória, imaginar que se poderia desempenhá-lo. A alma, a vivacidade, a imaginação , a sagacidade, o conhecimento do palco e a presença de espírito se revelaram a cada passo da maneira mais clara. O ator estava absolutamente obrigado a familiarizar-se com todas as possibilidades que o teatro pode oferecer. Terminava em estar completamente em seu elemento como peixe na água, e o poeta dotado bastante para utilizar estes fatores teria podido produzir sobre o publico um grande efeito.”

Esta confissão contrastava profundamente com aquilo que teria sido o estilo do ator neuberiano, filiado as premissas de Gottsched:

“Propunha-se a graça dos movimentos ondulantes, a solenidade de atitude, a grandiosidade dos gestos apaixonados; mas um espírito de mestre de dança presidia em tudo isso que o tornava afetado e exagerado ao extremo. Os passos pela cena pareciam medidos a compasso. O corpo do ator sustentava-se por um pé, enquanto o outro se colocava descançando sobre a ponta, em coupe pied. Braços e mãos não faziam outra coisa que traçar no ar caprichosos arcos, expressando um pathos completamente alijado da realidade. Os braços pareciam cortar o ar, as mãos eram sacudidas com um movimento de frente para traz.”

Em contrapartida, encontramos a luta de Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) contra o predomínio de patrões estranhos ao teatro alemão, tanto no drama escrito como na encenação teatral. Sua atuação como diretor de cena procurou promover uma maneira mais realista e sadia, uma forma mais nobre e comedida de atuar, embora não completamente natural, onde se adivinha a influencia francesa, que os atores Konrad Eckhof (1720-1778) e Friedrich Ludwig Schroeder (1744-1816), melhor reproduziram, transformando as normas da escola de Carolina Neuber. Tais normas foram estudadas em profundidade na Dramaturgia de Hamburgo (1769), com seus inúmeros comentários e regras para atores. Em 1753, Eckhof fundou uma academia de atores, em Schwein, com vistas de corrigir o modo de recitar exagerado da escola de Leipzig, preferindo para isso os textos de autores alemães e os dramas burgueses. Sua escola, que durou tão somente um ano, “lançou um principio de uma organização em beneficio dos atores, como aposentadoria e assistência social”. Aquelas teses foram melhor experimentadas por Schroeder na interpretação de personagens shakespearianas.

Lessing traduziu obras de Denis Diderot, a quem estimava profundamente, analizando-o em seu ensaio Laocoonte (1766). Como Diderot, considerava fundamental a interpretação cênica do ator, preocupando-se, especialmente, com o problema da palavra, ao mesmo tempo em que propunha que, quando o ator se vê e se escuta, “participa da plástica da poesia”. O ator é o transmissor da poesia, daí a ênfase para o seu aprimoramento técnico “com inteligência e adesão intima”, evocando, para tanto, conselhos de Hamlet aos atores.


trecho do livro HISTÓRIA E FORMAÇÃO DO ATOR - Enio Carvalho

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