quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O ATOR GREGO

O ator grego teve a mesma origem religiosa, contudo dela vai se desprender. Na Grécia, e no Oriente em geral, o teatro torna-se atividade autônoma e começa a ter história, enquanto que no Oriente ele se confunde com a história, resultando tradicional não original, repetitivo e estático. No Ocidente a tradição vive em crise, cada época exige um estilo próprio. Na origem, a tragédia vai ficar um pouco presa ao culto religioso, enquanto afirmação da natureza, apesar de que, segundo Bertold Brecht, o teatro ocidental, à exceção medieval, só em suas origens teve alguma fundamentação religiosa. Em 535 (ou 534) a.C. tomamos conhecimento do primeiro ator na evolução dos tempos: Téspis, de Içaria, que durante as Olimpíadas apresentou sua primeira tragédia: “[...] Um homem, um ‘desconhecido’, ‘alguém’, disse o Escoliasta, alguém que se deixa arrastar pelas forças sagradas de Melpomene, alguém que é capaz de representar cinco ou seis personagens ao mesmo tempo, alguém que escreve as obras e as interpreta com um magnífico ‘sentido de imitação’.O nome deste propulsor: Téspis”¹¹. Acrescentando ao coro um prólogo e um discurso, ele foi o primeiro ator e o primeiro autor ocidental conhecido. Assim como escrevia e representava, também defendia seus direitos profissionais, pois criou a primeira alteração entre o teatro e o governo quando discutiu com Sólon (640-558 a.C), arconte e legislador ateniense, a razão de seus ataques aos deuses do Olimpo. Representava vários papéis numa mesma apresentação e, mais tarde, acusado de hipócrita por Sólon, reconheceu: “[...] Fui, em verdade, um grande ator, mas também um hipócrita. Meus deuses, meus mercadores e meus pobres não eram mais que pedaços de minha alma endurecida. Fez-me bastante bem essa limpeza”¹² Em suas origens, o ator grego da comédia - possivelmente posterior ao da tragédia – teria saído do povo certamente alguém mais descontraído e brincalhão, portador da vivacidade e da folia que vai caracterizar o cômico em todos os tempos. Seus espectadores assumiam uma embriaguez coletiva, e o espetáculo aos poucos ia se tornando uma grande encenação de grande participação popular. Os precursores do teatro ocidental se sucedem. Quérilo viveu o bastante para concorrer, quase centenário, com Sófocles (495-405 a. C.). Frínico teria se tornado tão ilustre quanto Ésquilo (525-439 a. C.) se sua obra escrita tivesse sobrevivido, conforme os inúmeros testemunhos de seu tempo. Inovador como Téspis. Frínico dividiu o coro em dois grupos e, com isso, provocou uma divisão de opinião entre os espectadores. A Téspis é atribuída a invenção da máscara, a Frínico, a introdução de personagens femininas em suas peças. Prátinas é o terceiro nome contemporâneo de Ésqiuilo e reprovava as interferências musicais em detrimento da palavra do poeta. Ésquilo tornou-se conhecido como o segundo ator ocidental. Ele escreveu para mais de um ator representar, criando, assim, o ator especifico: o que não escrevia a peça, só representava. Aquele primeiro ator introduzido por Téspis, o protagonistés, permitiu o dialogo entre o ator e o coro. O segundo ator, introduzido por Ésquilo, o deuterogonistés, propiciou a criação do conflito. O coro foi perdendo, assim, sua função principal no desenvolvimento da tragédia, crescendo, por outro lado, a importância dos atores. Sófocles deu-nos o terceiro ator, o tritagonistés, o que não significava, como nos demais autores, que em suas peças encontrássemos duas ou três personagens, mas varias personagens para serem interpretadas por dois ou três atores no máximo. Embora contasse ainda com interpretes menores para breves aparições como aias, mensageiros, soldados, etc., sem participação nos diálogos. Ao introduzir outro ator, Sófocles reduziu mais ainda o papel do coro. E esta tendência vai aumentar com seus sucessores, a ponto de seus componentes reduzirem-se de cinqüenta para quinze elementos. Sófocles secularizou o espírito e o conteúdo da tragédia, assim como dissociou em suas especificas funções: o ator, como interprete dos tetos do poeta; o musico, com atividade própria e separada; e o coro, agora mais estruturado a ponto de ganhar um diretor próprio. Com Ésquilo, e mesmo antes, tínhamos um diretor absoluto de suas obras, pois quando ele escreveu suas tragédias ainda não existiam atores adestrados. Sófocles já pôde concentrar-se mais na atividade dratúrgica, desembaraçando-se de também ter que interpretar suas próprias personagens. Assim sendo, Sófocles sedimentou mais ainda a especialização do ator. Quando o poeta deixou a cena, o ator protagonista passou a ser designado pelo Estado, em 449 a.C. contudo o primeiro continuou a atender as responsabilidades do moderno encenador. Encontramos muito pouca documentação sobre a forma de representação do ator grego. Aristóteles teria falado a respeito, mas esses trechos foram perdidos. Entretanto, quanto à interpretação teatral, poderíamos dizer que a pantomima era importante, e o uso de mascaras enormes, de traços acentuados, de roupas gigantescas, sobrecarregados, de roupas gigantescas, sobrecarregadas de bordados, que caíam até os pés de coturnos de solas muito altas impedia ao ator grego grandes deslocamentos, daí seu modo estático de representar, o que vai redundar em maior destaque e importância ao texto falado. A cor das vestes anunciava o sexo e o nível social da personagem. Para evitar a desproporção física que a indumentária poderia causar em relação aos grandes teatros gregos, aumentava-se o tamanho dos corpos acolchoando-os com falsos ventres, ombros, etc; recobrindo tudo isso com um tecido de malha ajustada ao corpo, sobre o qual vestiam as túnicas e os mantos. Resultante mais de tradicional herança do que propriamente de estudo a respeito, a arte do ator grego consistiria numa maneira tipicamente religiosa de representar. Entre outras coisas, a mascara e a pesada vestimenta impediram qualquer elaboração mais individualizada: os gestos ficava, assim, bastante ocultados. Segundo uma citação tradicional do teatro, cujo autor desconhecemos, o ator grego “era uma voz e uma presença”. De acordo com Aristóteles, o jovem ator assemelha-se a um macaco pela excessiva movimentação: “[...] teria pois o defeito que os antigos atores atribuem aos da sucessiva geração – defeito pelo qual Minisco apelidava Calípedes de macaco, devido a sua exagerada gesticulação; e o mesmo se dizia de Píndaro”. Os atores trágicos nunca tomaram parte na comedia, nem os cômicos na tragédia. Apenas os homens podiam subir aos palcos atenienses, e os atores trágicos eram considerados cidadãos muito requisitados e regiamente pagos. No século IV a.C., o teatro decaiu, enquanto o ator foi ganhando cada vez mais importância. A expressão corporal superou o jogo das palavras, e nasceram então as primeiras cenas improvisadas. Os mimos começaram a imitar os tipos cômicos da sociedade. As personagens conservavam vestígios do vestuário doa atores do século V a.C., como os estômagos acolchoados, os calções ajustados, a capa, agora mais curta, mas os traços faciais estavam mais suavizados, como o natural das pessoas comuns das ruas atenienses. Fazia-se qualquer coisa pra converter um simples fato num acontecimento hilariante: abaixo das capas curtas ostentavam-se, de modo proeminente, grandes phallus, como emblema de fertilidade. Ainda no século IV a.C., organizaram-se agremiações ou corporações de atores, denominadas Artesãos de Dionísio, que alcançaram muito poder e respeito, mais tarde perdidos quando passaram a aceitar, em suas hostes, músicos, coristas, ajudantes e comparsas, o que provocou paulatina desconsideração social, a ponto de Aristóteles chama-los de “Parasitas de Dionísio”. Outro depoimento aristotélico diz-nos que, à época, a interprete despertava mais interesse que a obra poética. No ano de 449 a.C., foram instituídos os concursos para atores; o processo do individualismo começava a se estabelecer. Pólus foi o mais famoso, não só por suas qualidades de interprete – segundo o filosofo Denis Diderot, ele tinha interpretado uma cena de Eletra portanto as cinzas do próprio filho -, mas também por ter sido o professor de dicção do grande orador grego Demóstenes (385-322 a.C.), que ganhou notoriedade por sua arte retórica. Pólus legou-nos uma espécie de catalogo de mascaras pormenorizadamente descritas da fase decadente da comedia grega, “onde estão fixados os tipos e os seus símbolos particulares, o que nos permite acompanhar a evolução da tragédia e da comedia desde a época pós-clássica do teatro grego”. A profissão o ator sempre foi bem reputada na Grécia, sendo ele mantido pelo Estado desde os tempos de Sólon. Alguns atores chegaram a assumir funções diplomáticas, quando em viagem. O ator Aristodemo e o autor de comedias Anaxandides acompanharam a corte de Filipe da Macedônia, enquanto o ator Tesálio usufruiu as regalias do séqüito Alexandre Magno, que lhe confiou uma missão diplomática, pois, como ator, desfrutava do salvo-conduto de deslocar-se pelo território inimigo. De qualquer forma o ator trágico sempre foi considerado mais importante que o ator cômico.trecho do livro HISTÓRIA E FORMAÇÃO DO ATOR - Enio Carvalho O ator oriental O ator oriental ainda hoje é religioso. Na Índia, surge da união da dança e do canto provenientes das festividades religiosas. Segundo o sábio Bharata-Muni – a quem teriam sido reveladas as regras da arte dramática citadas no quinto Veda - , a origem do drama remonta ao deus Brahma, criador do mundo, quando idealizou uma arte ao mesmo tempo audível e visível para a compreensão de qualquer homem. As diferentes culturas e civilizações que compõem o extenso continente asiático contrapõem-se com a visão homogênea que nós, ocidentais, temos do Oriente. Ainda assim podemos localizar características comuns ou próximas que alimentariam uma visão da cultura oriental. Dois aspectos comuns seriam a forma relativamente constante de atuação do ator oriental (que ocorre raramente improvisação) e a fantasia cênica de antecipada precisão aos espectadores, que reconhecem nela símbolos tradicionais. Para muitos estudiosos as formas do teatro oriental têm origem na Índia e se mantêm durante séculos nas formas teatrais do Japão, China e Coréia, bem como nas dos paises do leste e do sul orientais (Birmânia, Tailândia, Laos, Camboja e Indonésia). Gregos da Antiguidade também acreditavam que o deus do teatro, Dionísio, tivesse sido trazido do Extremo Oriente. O teatro na Índia encerra suas bases estéticas codificadas em Os princípios da arte dramática, o Natia Sastra, redigido em sânscrito pelo profeta e patriarca Bharata nos inícios da era crista, e que, alem de estabelecer as regras para construção do espaço cênico, trata ainda dos sete anos de aprendizagem do ator em por menores complicados. Menciona 24 variantes da posição dos dedos, 13 movimentos para a cabeça, 7 para as sobrancelhas, 6 para o nariz, 6 para as faces, 9 para o pescoço, 7 para o queixo, 5 para o peito e 36 para os olhos., as quais correspondiam à regulamentação da linguagem. A arte do ator indiano, incluindo voz e comentário, exige dele a máxima concentração. Durante longo período ele permanece entregue a tarefa de criação da atmosfera do drama. A obra de Bharata destaca ainda que as representações devem ser completamente controladas e de execução nunca impulsiva ou original. O ator hindu por representar deuses ou heróis, devia atingir a perfeição na arte através da autodisciplina. As peças apresentavam, geralmente, uma prece como prólogo, seguida de um diálogo entre o diretor e os atores com vistas a fazer o publico ciente das circunstancias que deram origem ao espetáculo. O ator não seguia necessariamente um texto, a musica era composta no momento, e o musico, então, tinha a possibilidade de decisão sobre o andamento do espetáculo. O teatro chinês não é nativo, tendo sido introduzido pelos mongóis, derivado da adição da dança com o canto. Nele a simplicidade da técnica de representação se aproxima bastante dos movimentos mimados e ritmados das marionetes. A influencias hindu no teatro da China – lá introduzida, possivelmente, dois séculos antes da era cristã – pode ser verificada na dura aprendizagem dos atores que demora também sete anos, tradicionalmente. Os professores ensinavam, com rigor, gesticulação, movimento e expressão vocal. A poética chinesa, garantida ate mesmo pelo código penal, impõem que toda obra teatral tenha finalidade moral, devendo aos espetáculos mostrar uma pintura verdadeira ou suposta de homens justos e bons, de mulheres castas, de crianças afetuosas e obedientes para assim induzir os espectadores a pratica da virtude. A técnica de interpretação do ator baseia-se na simplicidade criando uma resultante entre a concepção da realidade e a perspectiva cênica. Daí seu movimente se aproximar bastante do de uma marionete. A nudez do palco chinês obrigou o ator a criar, com sua palavra e gesto, um cenário inexistente. Um ilusionismo de convenções e signos supre a ausência de cenário: um abanico junto ao rosto representaria um passeio ao sol; um ator tateando pela cena significa que o ambiente esta as escuras; uma nevada seria representada por um sombrinha com tiras de papel branco; dois ou três toques de corneta anunciaria o julgamento de alguém e assim por diante. O único apoio ao qual recorre o ator chinês é sua mascara e seu traje, que traduzem símbolos de tradição muito antiga. Apresentados em casas de chás, os espetáculos ganham uma forma de relacionamento especial entre os atores e os assistentes. Estes podem abandonar as salas de espetáculos, retornando quando a cena apresentar maior interesse. Nos bastidores qualquer pessoa estranha esta impedida de entrar, pois trata-se de um ambiente de preparo e concentração, protegido pela estatua do imperador Ming Huang. Com a proclamação da republica, em 1911, as mulheres puderam usufruir da aprendizagem da Ópera de Pequim. Antes os papeis femininos eram especialidades de certos atores. Entre outros, destacou-se Mei Lan Fang (1894-1961), que se tornou o especialista mais famoso em papeis de cortesã e donzela até quase os 70 anos. Alem de dançarino, coreógrafo e ator, foi, em seus últimos anos de vida, diretor da nova Academia de Arte. Antes considerados marginais, os atores chineses recentemente passaram a ser venerados por seus méritos. A influencia budista aparecera em algumas mascaras do teatro japonês, que, no teatro nô dos séculos XIV e XV, vai enaltecer a ética samurai, enquanto a forma intermediária do teatro kyogen vai alimentar o popular, ficando para o teatro kabuki, do século XVII, o esplendor da sociedade dos comerciantes. O shimpa de fins do século XIX apresenta em cena temas da atualidade, profundamente sentimentais, já sofrendo influencias do teatro ocidental. O século XX vai trazer o shingeki (novo teatro), onde a jovem intelectualidade japonesa se manifesta através de um teatro internacionalizado, em que até mesmo o método de Stanislavski e propostas mais contemporâneas aplicados. Na época clássica, o teatro nô era quase sempre encenado por sacerdotes, aparecendo posteriormente o conceito isolado de ator. O treinamento desse ator esta previsto no Fúshi-kaden-Kaden, a bíblia do nô, que propõe inúmeros princípios básicos e treinamentos desde a idade de 7 anos ate mais de 50; isto no primeiro livro. O sétimo livro cuida dos complementos e teorias da expressão teatral. O nô, desde suas origens, resiste a improvisação teatral, e suas primeiras manifestações são cantos e danças. Em seus primórdios, os atores desse teatro eram marionetes, daí posteriormente o estilo de sua mímica ser tão rigorosamente regulado quanto à coreografia, pois cada gesto ou movimento, extremamente estilizado, conserva um sentido próprio e exato. A beleza plástica dos conjuntos assim montados resulta da disciplina e técnicas perfeitas. Dentre os mais famosos atores, destaca-se Zeami Motokiyo (1363-1443) pela defesa da manutenção da tradição do teatro nô, alem de seu talento invulgar. Em 1910, fundou-se junto ao Teatro Imperial uma escola para a formação de atrizes, por força de uma ordem imperial, devido à má fama do teatro kabuki dos primeiros tempos, iniciado com mulheres, depois impedidas de entrar em cena. A construção do primeiro teatro kabuki data de 1624. o teatro kabuki durante séculos teve um estilo eclético e ritualístico, que logo se tornaria burlesco erótico. Nele se destacou o ator Sakara Tôjurô (1647-1709), famoso pela criação de delicados galãs que o fariam incomparável nas cenas de Kioto e Osaka. Para ele, o grande mestre do ator era a própria vida. É de sua autoria a famosa citação de que a arte do ator, assim como a sacola de um mendigo, tem que conter de tudo um pouco, desde coisas valiosas ate coisas sem valor, e se, por acaso, alguma coisa, alguma coisa não tiver serventia no presente, se guarda para usa-la no futuro. A consciência de seus atores, a dedicação que manifestam pela arte teatral erigida durante vários séculos, a ponto de ser considerada, como uma forma de religião do povo, asseguram ainda hoje ao teatro kabuki a qualidade de representar espírito nacional e de ser um veiculo de orientação por parte do poder construído. Como um sacerdote, o ator oriental leva uma vida ascética, silenciosa e concentrada; em atividade é um homem possuído pelo que representa em cena. O teatro para ele não é um oficio, mas uma vida de renuncia; para este ator, a individualidade se perde, sua técnica te que ser perfeita, e a personagem que encarna, assumir uma supra-individualidade. A simbologia da indumentária é de grande importância, e sua cor vai determinar até mesmo o conteúdo emocional da personagem; a pantomima é fundamental, e a concentração é aprimorada de tal forma que vai qualificar a tarefa particular de cada ator. Com o rosto anulado pela mascara, ele vai ter no corpo seu instrumento de expressão mais importante. Charles Dullin (1885-1949) sustenta que o ator japonês “parte do realismo mais minucioso e chega à síntese por uma necessidade de verdade”. Há no ator oriental, portanto, uma total abdicação de si próprio. Não há distinção entre ator e publico, pois a religiosidade os une. O ator oriental permaneceu mais preso à religiosidade do teatro e só recentemente alimentou novas formas.trecho do livro HISTÓRIA E FORMAÇÃO DO ATOR - Enio Carvalho

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