quarta-feira, 16 de setembro de 2009

HISTÓRIA DO TEATRO O ATOR MEDIEVAL

Durante a idade média a opinião romana persistiu: não havia na vida social para o ator. Ele sobrevivia sob várias formas, e parecendo reprisar as mesmas origens, como remanescente dos festivais pagãos ligados com o renascimento das atividades da terra ou com as colheitas, especialmente as vindimas, como se quisesse confirmar o patronato do deus pagão Dionísio sobre o Teatro. “A igreja Católica, não achando prudente combater todas as modalidades de divertimento de um povo, fechava os olhos àquelas que não opunham ou não se chocavam abertamente com as normas e os seus preceitos” Nas aldeias e nas cidades, pelas ruas, pelas praças, a heranças dos atores romanos, ou seja, os mimos e os Histriões, os Thymelici, conforme os eclesiásticos os chamavam apresentando com números habilidosos. Segundo Ramon Meneses Pidal (1869-1968), desconhecia-se até que ponto esses tipos representariam a continuidade das artes declamatórias e mímicas do teatro antigo. Já vimos que, pelo ano de 200 d.C, Tertuliano, entre outros doutores da igreja, assinalou na obra De Spetaculis, que o cristão batizado renunciaria completamente ao espetacula, objurando, assim, ao diabo e a todas as suas obras, como as festas de vênus e Baco. Asseverava mesmo que os cristãos não tinham o direito às diversões que estes espetáculos promoviam em detrimento do espetáculo mais poeticamente nobre e de máximo mais sábias – porque buscavam a verdade – dos exercícios da igreja. Conclamava, por fim, os cristãos a assistirem ao maior de todos os espetáculos: o do juiz final, afirmando que, Então terá chegado o momento de escutar aos atores trágicos, cujos lamentos serão mais estridentes devido à própria pena. Então os atores cômicos darão voltas e se contorcerão mais ágeis do que nunca devido ao aguilhão de fogo que não se extingue jamais. Entretanto, na cultura Bizantina, no reinado de Aleixo I Commeno (1048-118), um estadista de seu governo chamado Zonaras defendia, no ano de 1100, a rebelião dos atores que se apresentavam no palácio, sem suspeitar que o próprio imperador seria vítima das bufonarias apresentadas na corte de Konia. Esta convivência entre imperadores, cônsules e atores pode ser comprovada através de fragmentos de mármore que serviram como cobertura de mesas . De qualquer forma, os primeiros concílios excomungaram os atores, suas mulheres e seus descendentes. Em 314 d.C., o Concílio de Arles fez desabar contra os jograis, os saltimbancos e os atores inúmeros anátemas e proscrições. Só posteriormente quando do Concílio de Cartago, é que a igreja católica começará a reconsiderar, com muita resistência, essa severidade. Excomungados e vilipendiado pelas autoridades civis e eclesiásticas, o ator, com sua inesgotável arte de fabular, escondendo-se pelas praças e pelas cortes, pelos castelos e, inclusive, pelas igrejas, vai preservar sub-repticiamente a semente imorredoura do teatro. Eram comediantes vagabundos que se misturavam a bufões, jograis e menestréis –– seus parentes artísticos. Estes são os únicos profissionais no teatro ocidental, já que não foram profissionais os que representaram os dramas litúrgicos que vamos encontrar pela Idade Média. É muito oportuno sublinhar que, com o fechamento do teatro no século VI, após as seqüentes invasões dos povos bárbaros godos, vândalos e hunos, seu renascimento, por volta do século X, aconteceu mais uma vez no seio das manifestações religiosas, agora da Igreja católica, confirmando íntima relação entre teatro e religião. Os mimos retomaram sua vida primitiva e errante. Apesar dos decretos da Igreja cada vez mais violentos, não pararam de representar, especializando-se em peças anticlericais, muito embora um ator que vestisse um habito de fraude ou de freira sofresse castigos corporais e expulsão. As habilidades histriônicas dos palcos romanos dos textos de Plauto e Terêncio eram aproveitadas em novas objetivações, modificando-se esses textos antigos conforme as necessidades do momento. Um tipo especial de teatro, vindo da atelana primitiva, logo irá constituir a commedia dell’arte, a primeira grande escola de ator na evolução da história do teatro. Não precisamos dos mimos para explicar a formação do ator dentro do culto da Igreja Cristã, formação esta que começou a se manifestar logo depois que se tinha estabelecido o mundo medieval, ou império de Deus – como foi chamado devido à sua idéia central. As velhas danças mímicas dos cultos dos demônios continuavam vivas, pois a Igreja também não conseguiu terminar com as superstições populares e, muito menos, com as antigas festas e os antigos costumes que acompanhavam os ciclos anuais, o ritmo da natureza. Pouco a pouco a Igreja transformou essas festas em festejos cristãos: os ovos da páscoa, os símbolos da fertilidade, a árvore do natal, o solstício de verão a 24 de junho com a noite de São João etc. – costumes que há séculos eram muito mais vivos e importantes para a vida humana. Daí a disposição natural para introduzir elementos mímicos no culto cristão da Igreja católica, já que o homem medieval, além da razão, poderia ser catequizado através os sentidos para perceber e entender as verdades bíblicas. Alguns clérigos surgidos do povo, impressionados com certas partes da liturgia, sentiram-se naturalmente impelidos à expressão mímica, dramática –– para eles mais forte do que palavras. Assim, Igreja do século X edificou um culto religioso mais intuitivo aos sentidos ao lançar mão de gestos e musicas mais populares e livres, mais artísticos e compreensíveis. Durante semana da páscoa, erigiu-se um túmulo sagrado no coro de alguma igreja do norte europeu do século IX. Diante desse túmulo se consumavam as seguintes cenas: a adoração da cruz na sexta-feira santa – a Adoratio cruz; no sábado realiza-se a Depositio crucis, ou seja, o sepultamento simbólico da cruz e a instituição da vigília; a solenidade da ressurreição, a Elevatio crucis, realizava-se na manhã do domingo da Páscoa e era celebrada silenciosamente sem a participação de profanos; e, finalmente, o quarto cerimonial era a Visitatio crucis, a visita das Marias ao túmulo da missa matutina. Dentre estes cerimônias, a Visitatio tornou-se o ponto de partida para o drama pascal: um monge vestido com uma dalmática branca, representando um anjo com palmas nas mãos, sentava-se ao lado do túmulo. Outros três sacerdotes, representando as Marias, vestidos com capas, capuzes e carregando turíbulos, caminhavam em direção ao sepulcro como se procurassem alguma coisa. A mortalha era levantada e verificava-se que a cruz não estava mais lá. Os turíbulos eram depostos e o lençol estendido para os clérigos como prova da ressurreição de Cristo. Com o canto do hino Te Deum laudamus, e sinos tocando terminava a solenidade. O texto latino Regularis concórdia, datado dos anos 965-975, escrito pelo beneditino inglês Saint Ethelwold, atesta plenamente esse drama litúrgico ocidental tido por muitos estudiosos como o iniciador do teatro moderno. Os sacerdotes teriam sido, assim, os primeiros atores do renascimento do teatro ocidental, na Idade Média. A cerimônia religiosa de comemoração teve sempre algo de dramático, e dela puderam ser recolhidas pequenas cenas em que o caráter teatral aparecia mais claro, mostrando nunca falar aos clérigos oficiantes a consciência de que representavam um papel, tanto no coro das ANTIFONAS quanto no diálogo com outro padre. Os três clérigos do culto pascal apresentavam o texto canônico do QUEM QUAERITIS, que provinha do Evangelho de Lucas (XXIV, 5) e de João (XVIII, 4), textos que tornaram-se conhecidos como TROPOS, ou seja, acréscimos poéticos e musicais feitos para os ofícios religiosos. Entre os que se tornaram conhecidos, destacam-se os compostos pelo poeta, músico e pintor Tutillon, do célebre mosteiro de Saint-Gall, na Suíça, nos séculos IX e X. Os tropos eram diálogos curtos que se acrescentavam ao final do texto canônico, como as falas das Marias à oergunta do Anjo. Criou-se, assim, uma cena decididamente dramática, primeira do teatro medieval, conforme aparece escrita no mais antigo livro de tropos do mosteiro acima referido. O ciclo de natal também tinha um tropo, que começava com as mesmas palavras, mas dirigidas aos pastores. Difundido-se por outros mosteiros, essas representações tornaram-se cada vez mais numerosas a ponto de o espaço resultar insuficiente; e por isso elas foram, aos poucos, sendo transferidas para o exterior das Igrejas. Ainda quase litúrgico, o drama era dirigido pelos padres da Igreja; entretanto o elenco de atores era recrutado entre homens do povo, estudantes, membros de agremiações profissionais, mimos ambulantes etc. dessa forma, o elemento popular e burlesco se introduziu irresistivelmente: a corrida de São José e São Pedro para o túmulo já não era mais solene e respeitosa, mas divertida e atrapalhada, introduzindo-se na ação um charlatão vendedor de ungüentos que as santas mulheres desejavam aplicar no Cristo. No século XIV, além dos clérigos, encontramos como atores os CLERICI VACANTES (iemãos leigos menores) assim como estudantes das universidades, que assumiam os papéis burlescos, especialmente os de diabos, criando um grande contrate com as entidades divinas, pelo seu espírito eminentemente cômico e obsceno. Os antigos atores dos mimos foram aqui aproveitados semi – profissionalmente para os papéis de taverneiro isoladamente que aplicavam tapas no pobre São José, que buscava alimento para a sua família, ou de pastores que eram acordados subitamente e, ao correrem para o presépio, perdiam as calças... . Era o preparatório eterno da falsa, do palhaço, do clown. A passagem do teatro de clérigos para o teatro para leigos, ou seja, a criação de teatros populares, nas diversas noções, não se deu ao mesmo tempo, não uniformemente foi gradual, desde a introdução de falas vulgares entre latinas, até a completa laicização. O acabamento cada vez mais realista, assim como a acentuação do elemento cômico, ao mesmo tempo que se distanciou mais e mais do culto religioso, refletiu o desenvolvimento da cultura burguesa nos séculos XIII e XIV, quando a burguesia passou a ser detentora da cultura. No drama pascal, agora, a personagem de Polônio Pilatos entra como se fosse um príncipe medieval com um grande séqüito de cavaleiro e pajens. Os temas tratado eram os assuntos da cidades, e a língua, a nacional. Não obstante, as representações clericais foram mantidas em várias regiões até o século XVI, não mais nas igrejas, mas em outros locais. Em 1207, o papa Inocêncio III (1160-1216.) proibiu qualquer manifestação que não se revestisse de caráter estritamente litúrgico no interior dos templos. No mesmo século, o rei espanhol Afonso X, o Sábio (1221 – 1283) , em sua LEI DAS SETE PARTES, ao mesmo tempo que impedia os clérigos de participarem em JOGOS DE ESCÁRNIO, de assistirem a eles ou mesmo autorizarem suas apresentações no interior das igrejas, liberava, por outro lado, a representação do nascimento do menino Jesus. Em 1281, o arcebispo de Braga advertia o clero para que não tivesse contatos com “jograis, mimos e histriões”, porque significada a introdução de elementos profanos nos cultos religiosos. No século XV, o arcebismo de Lisboa determinava que “não cantassem, nem dançassem, nem bailassem, nem TREBELHASSEM nos mosteiros e igrejas cantos, danças e trebelhos desonestos”. Por outro lado, as ORDENAÇÕES AFANSINAS, de 1446, concediam aos judeus dançar, “guinolar e trebelhar” nas recepções reais. Os concílios de 1227, de 1293 e de 1318 renovaram outras proibições, o que indicava o insuficiente atendimento a elas. Apesar das admoestações, as licenciosidades desenvolveram-se e foram a tal ponto exageradas nas representações religiosas que, no século XVI, os bispo da Faculdade de Teologia de Paris advertiram os clérigos para que usassem máscaras durante os seus ofícios, pois chegavam a dançar no coro vestidos de mulher, de alcoviteiros ou menestréis, cantando canções indecentes, e ainda percorriam as cidades com esses TEATROS em carros, provocando o riso em representações condenáveis. As representações medievais começaram, assim, a perder seu caráter religioso. A separação do teatro relIgioso do local da liturgia abriu possibilidades ilimitadas à imaginação e ao crescimento do teatro europeu. A conexão com as festas religiosas foi mantida, bem como a influência do clero, que geralmente tomava conta das encenações. O drama religioso, então, evoluiu vagarosamente onde a religião dominava, mas ganhou novas forças através da mística da fase gótica de salvação da alma. “Parece que n’O jogo de Adão, piedosos aficcionados interpretavam a maior parte dos papéis. É a época em que os burgueses e estudantes começavam a agrupar-se em confrarias sob a égide do clero. Pode-se pensar que incorporavam trabalhadores, ao menos para palhaços.” Como o homem é culpado pelo primeiro crime, como é salvo por Cristo, como Deus e o diabo lutam pela sua alma, eis os temas de todos esse dramas da paixão, que combinam o Velho e o Novo Testamento numa só ação, superando os antigos dramas da páscoa e do natal. No século XVI, os dramas da paixão alcançaram dimensões enormes, no espaço e no tempo, promovendo-se gastos imensos em trajes, canários e participantes. Formavam-se irmandades para as representações desses dramas, também chamados mistérios, de ministerium, que significa “oficio” em latim. Na frança, muito cedo se formou um palco de estranhos com diferentes localidades denominadas lieux ou mansions, decoradas para episódios que os atores deveriam representar. Estas edificações, permanentes ou provisórias, teriam inspirado os pegeants ingleses. Esse tipo de palco simultâneo era muito largo e pouco profundo. “Os atores estavam agrupados sobre a área de representação das mansions (casas), isto é, das partes do cenário quem simbolizavam um dos lugares onde se devia desenrolar a ação. Essas mansões eram normalmente em número de dez, chagando a atingir o numero de vinte e duas no mistério representado em Mons em 1501” Na Inglaterra os mistérios eram artisticamente muito mais aperfeiçoados, mais acabados e harmoniosos, já que várias corporações se encarregavam definitivamente daquelas partes que tinham alguma ligação com o seu oficio. Com a separação completa entre teatro e igreja, apareceu a ambição de os espetáculos se sobrepujarem uns aos outros. Resultado dessa concorrência são os PAGEANT’S WAGONS, já referidos, carroças que paravam delugar em lugar apresentando cada qual uma determinada cena; um ator, “chamado EXPOSITOR, que devia acompanhar a cavalo as diferentes carroças, dava as explicações teológicas devidas”. Assim, o espectador, sem mudar de lugar, assistia a todo o mistério. Na Alemanha a ação se desenrolava num palco espacial, tridimensional e simultâneo onde os cenários se cruzavam de modo a fazer desaparecer uns aos outros e os atores se movimentavam de um lugar para outro. O espectador não tinha assim a visão uniformizada. Havia um espaço central circundado de construções chamadas LOCAS, lugares de acabamentos diferentes. A remuneração dos participantes variava com a extensão do papel. A interpretação das personagens não visava a ilusão. No palco alemão, os atores ficavam à margem e, quando eram chamados, avançavam alguns passos e recitavam os seus papéis, voltando depois aos lugares. Mais tarde, o teatro moderno vai usar conscientemente tais processos para evitar a ilusão. Na França, os textos dramáticos já indicavam a DIREITA e a ESQUERDA em suas rubricas para posicionar os atores, do ponto de vista do palco e não dos espectadores, isto é, DO PONTO DE VISTA DE DEUS. Inicialmente, os papéis femininos eram representados por homens ou, às vezes, por meninos-e depois também por mulheres. De um modo geral, podemos dizer que o ator não se identifica com a personagem que representava, uma vez que recorria a uma forma fixa e tradicional de gestos expressivos de cunho simbólico. Tendo em vista o caráter litúrgico, a voz era tecnicamente solene e nobre e sempre tratada com especial importância, promovendo forte contraste com os atores de teatro profano e popular. Quanto mais o assunto se ligava á Bíblia, tanto menor eram as possibilidades de livre criatividade. Aos atores cabia tão-somente ilustrar o texto bíblico, limitando-se aos gestos ali indicados. Considerando ainda que eram diferentes, raramente poderiam conseguir mais do que a repetição dos gestos aprendidos. Ainda assim “Tem-se noticia de uma jovem de Metz, de dezoito anos, que em 1468 representava Santa Catarina, recitando 2 300 versos com grande vivacidade e tom solene que comovia até às lágrimas a maior parte do público”. Certamente, nas cenas mais cômicas haveria maior liberdade de manifestação e um naturalismo mais ou menos espontâneo. Na Itália, onde irmandades cuidavam das representações, ao tempo de Lorenzo de Médici, os mistérios eram magníficos e luxuosos. Num enorme palco, as cenas eram animadas no sentido de se alcançar uma imagem grandiosa da glória celeste. O rico talento mímico e criativo do povo italiano, com seu gosto pelo visual o brilho dessas festas. Maquinas para diversos efeitos eram construídas e a utilização de fogos de artifício era comum. Eram vésperas da Renascença, e os dramas não se chamavam mistérios,mas sacre rappresentazioni, cuidavam de episódios da vida de santos, de lendas, e eram representados por atores jovens. De qualquer forma, em todos esses países, assim como no restante do Velho Mundo, os participantes atores tomavam a sério o seu trabalho, ensaiando os seus papeis durante horas pela manhã e à tarde, enquanto os carpinteiros cumpriam as suas tarefas. Às vezes, eram mais de trezentos, pois os autores gostavam de multiplicar as personagens, daí constituírem todos associações, como a Confraria da Paixão, em Paris, talvez o primeiro teatro europeu permanente, a que rei Carlos VI concedeu grandes privilégios em 1402. Nessa armada de atores e figurantes encontravam-se tanto artesãos como magistrados; burgueses lado a lado com orgulhosos cavalheiros. Quanto ao teatro profano medieval, sabemos que os jograis e os trovadores existiram durante toda a Idade Média e podemos avaliar a importância dessas classes de cantadores populares numa época que não conhecia nem jornais, nem correios regulares. Foram eles os divulgadores da literatura oral, falada e cantada. Em 1262, Adam de la Halle, ou Adam lê Bossu, escreveu uma pequena peça, Jeu dela feuillée (Jogo de carramanchão), que comprova a sátira dos trovadores a época e que, além de recitada, era representada por eles e por senhores e senhoras da sociedade, em Arras. O teatro cômico burguês vem dos vários elementos profanos, cada vez mais acentuados, da fase realista do drama religioso, na qual os diversos papéis cômicos do drama da paixão adquiriam vida própria, libertando-se das restrições impostas pelo teatro religioso. O ator primitivo do mimo renascia nessas personagens, representando um teatro que nada respeitava e que não conhecia limites à sua realização. Foi o teatro profano, e não o religioso, que preparou os fundamentos do teatro moderno, que começa na Renascença. Na França se desenvolveu o fenômeno estupendo e original da farsa (farse). Era um teatro eminentemente político, que tratava dos assuntos do dia-a-dia, apresentado nas festas populares, especialmente nas do carnaval. Posteriormente, passou a ser apresentado juntamente com os mistérios, e, mais tarde, durante todo o ano. Bastava um simples tablado em qualquer ambiente para que a farsa fosse representada, pois não requeria grande aparelhagem. Os processos penais instaurados contra algumas farsas permitiram conhecer suas colocações insolentes, bem como a situação dos atores, que sempre fugiam à condenação com uma argumentação cheia de equívocos e alegorias, alem de desfrutarem da proteção de nobres senhores, se rejubilavam quando as farsas atacavam seus adversários. Pouco a pouco, assim foi surgindo uma nova classe de atores profissionais. Formaram-se companhias teatrais ambulantes contratadas para as festas das cortes e dos grandes senhores. Seus atores, em geral, eram protegidos pelo rei e pela nobreza, e muitas vezes dotados de salvo-conduto; mas eram temidos nas pequenas cidades que não os conheciam. Ba Inglaterra, dentre os primeiros nobres que praticaram esse mecenato, estava Ricardo III (1452-1485). A crítica da época, os impostos, os preços altos, a miséria publica, o clérigo, eram trazidos ao juízo das farsas; menos a vida particular e mais a vida social. Outro gênero dramático, a moralidade, usava a alegoria para fins educativos. É difícil para nós imaginar a importância do pensamento alegórico para o espectador medieval, que não tinha ainda desenvolvido o pensamento abstrato em contraposição ao naturalismo. Por outro lado, a faculdade de pensar através de imagens, e a necessidade de personificar os pensamentos e as imagens até fazê-los seres de carne e osso, vai justificar a predileção da literatura medieval pela alegoria. As mesmas companhias que representavam as farsas, como a Letrados da Bosoche ou a Enfants sans Souci, que reuniam estudantes, vão também representar as moralidades, resultando daí uma certa contaminação de gêneros: a adaptação da alegoria à farsa ou a introdução do bobo na moralidade. Aqui também eram tratados os grandes problemas daquela atualidade, ou seja, um teatro popular de conteúdo mais sério. Nos Países Baixos, fundaram-se os Rederijker, clubes destinados à representação de moralidades, que criariam um tipo próprio de palco lembrando um arco de triunfo, já com características renascentistas. Enquanto os Rederijkers insistiam pedantemente no caráter didático das representações, as moralidades feitas na Inglaterra desenvolviam personagens cômicas, de um humorismo típico, incluindo almas condenadas vestidas tradicionalmente de camisa preta e com o rosto pintado de branco, que vão caracterizar o clown inglês até hoje. Esta moralidade, misturada à farsa popular, vai fundamentar o grandioso teatro inglês da época elizabetana. Na Alemanha, mais exatamente em Nuremberg – rico e orgulho centro da Renascença alemã -, quase ao final da Idade Média, surgiu um teatro popular de maneira original, advindo da farsa de carnaval, que, por sua vez, vinha das antigas danças de carnaval.de conteúdo mímico-dramático, desenvolvia uma serie de julgamento satírico e primitivo do tema ou da personagem central, e ainda era acentuado seu conteúdo erótico, como nas farsas européias de maneira geral. O cristianismo medieval transformou essa cultura profana , substituindo seus conteúdos por temas de morte e diabo. O cortejo existente nessas farsas teria sido assimilado dos trionfi italianos. A princípio improvisado, pouco desenvolveu-se o dialogo. A ponto de esse teatro deixar as ruas e se instalar numa sala ou num simples estrado. A indumentária era primitiva: o bobo vestia uma touca com grandes orelhas, um roupão multicolorido e calças de diferentes cores. As personagens eram apresentadas por um mestre-de-cerimônias, ocasião em que cada um falava de si próprio. Nessas Fastnachtsspiele a mímica importava mais do que as palavras e, pela brutalidade, aqui também os papéis femininos eram representados por homens. Dentre os autores, geralmente anônimos, destacou-se o sapateiro Hans Sachs (1494-1576), de Nuremberg, que, como poeta e mestre-cantor, escreveu também uma quantidade de dramas, tanto tragédias quanto comedias, e mesmo tragicomédias. As Fastnachtsspiele instauraram uma reforma por reprimirem a tendência ao naturalismo cru e de caricatura grosseira com a introdução de um fundo moral e didático. Eram, geralmente, um só ato de aproximadamente quatrocentos versos para três a seis personagens e um palco, agora, mais bem-acabado. Finalmente, um gênero pouco diverso de farsa, mas que se apoiava em suas técnicas verbais, desenvolvendo mais o diálogo do que o monólogo, foi o das sotties. Mais aparentadas com a moralidade, as sotties desenvolveram uma ‘abstração resultante do desejo de atacar os problemas fundamentais da vida social e da vida política, em que buscavam alcançar a consciência e o engajamento de espectador. A burguesia medieval começava pouco a pouco a sentir-se como o direito de participar ativamente da direção dos assuntos político-sociais, e, por isso mesmo, passam a ser objeto de severa censura. Embora alguns soberanos tenham sido condescentes com elas, como elas, como Luís XII, outros, como Fracisco I, aplicaram rigorosa repressão tanto aos componentes da Basoche quanto aos estudantes. Os repetidos ataques das autoridades alimentaram uma resistência que abastardou mais ainda de formas primitivas esse gênero cômico de teatro popular burguês. Seus atores desenvolveriam uma interpretação muito próxima da dos mimos da Antiguidade clássica, assim como os bobos da Fête dês fous. No século XVI, esse gênero conheceu seu melhor criador no poeta Pierre Gringorire, que flores no primeiro decênio daquele século. Até o século XVI ainda não se falava em companhias de atores, mas sabemos que a Basoche e Enfants sans Souce foram corporações que davam espetáculos teatrais públicos de “representações paródicas”, somente em certos momentos do ano. Não foram atores, mais profissionais de outras atividades, que, de tempos em tempos, vinham “a publico representar a parodia da vida real”. Mesmo um ou outro nome de algum bufão, como o famoso Triboulet, ou alguma corporação particular, como a Compraria da Paixão – que obteve em 1402, autorização real para representar peças sacras -, não nos permitem identificar o ator ou outro elemento profissional no período feudal da Idade Média, quer na França, quer nos demais países Europeus. No entanto não seria pequeno o discurso sobre a função sócio-moral desse ator. trecho do livro HISTÓRIA E FORMAÇÃO DO ATOR - Enio Carvalho O ator romano - nível 4 Quanto à origem do ator romano, o historiador Tito Lívio (59 a.C. – 17 d.C.), em pesquisas sobre a fundação de Roma, nos dá também razões de ordem religiosa, uma vez que, por motivo da disseminação de pragas, atribuídas à ira dos deuses, atores da região da Etrúria foram chamados, no ano de 364 a.C., para aplaca-las. Entretanto os romanos sofreram a influencia grega; mais exatamente da fase de decadência do teatro grego, quando os textos helênicos tinham perdido profundidade e inspiração, e os atores haviam assumido a exploração de efeitos gratuitos e um profissionalismo interesseiro. Durante dois séculos, o teatro romano viveu em instalações provisórias e desmontáveis, especialmente na cidade de Roma, terminado por superar o teatro cômico grego quantitativamente e em matéria de organização. O romano da antiguidade teve menor inclinação para a arte dramática, optando pelos jogos violentos, pelas competições, pelas corridas e pelo circo. Talvez as guerras constantes travadas para extensão do vasto império tenham lhe dado certo desprezo pelos valores da cultura literária. Entretanto coube-lhe o especial papel de transmissor de culturas, à medida que ia dominando e assimilando a arte de outros povos. Sem a dimensão cerimoniosa do teatro grego, o teatro romano decaiu levando desses inícios a marca vigorosa do gosto pelo majestoso e pelo espetacular. Antes do século II a.C., atores populares da cidade osca de Atela, na região da Campânia, de colonização grega, chegaram em grandes levas a Roma, pela via Ápia, portando divertidas máscaras e improvisando diálogos espontâneos e habilidosos, que caracterizavam tipos com padrões de comportamento conhecidos: Pappus, era um bonachão senil, vitima da mordacidade e da pilheria; Baccus, um camponês grosseiro, sempre infeliz nas aventuras amorosas, alem de idiota e guloso; Maccus, gordalhão vermelho e inchado, fanfarrão e imbecil, que se locupletava com suas torpezas; Dossenus, corcunda e astucioso, metido a filosofo0, pretendo tudo saber, exprimindo-se por sentenças sem sentido, que contrastavam com o analfabetismo dos campônios. Graças a estas máscaras, entre outras, os atores podiam se ocultar. Eram, de início, amadores sem nenhum intuito profissional. Improvisavam situações corriqueiras na comunidade a partir de um roteiro simples, o que não exigia nenhum esforço da memória ou recitação. Posteriormente a Atelana contou com artistas profissionais e foi incluidaem festividades estatais, sendo apresentada ao final delas, depois de representação das tragédias e do teatro sério, como o drama satírico na Grécia. Segundo observação do poeta satírico Juvenal (60 – 140 d.C), tanto uma como outra visavam secar as lágrimas dos espectadores. Durante o império as Atelanas sofreram a concorrência dos Mimos e se interiorizaram pelas províncias de Roma. A diferença entre os atores da comédia Atelana e os mimos romanos é que estes não usavam máscaras mas tão somente o próprio corpo e a capacidade de mímesis, de mutação, quase nunca empregando a linguagem labial, já que o caráter essencial da representação ficava com a ação mímica da expressão fisionômica, do gesto e da dança. A origem desse gênero de espetáculo, assim, estaria nas danças primitivas em honra aos deuses, as quais imitavam animais, os atos e as paixões dos homens, os deuses da vegetação e da fecundidade, daí seu caráter às vezes obsceno. Numa fase mais avançada, estas danças passaram a contar com coros e seus couretas. Também aqui duas linhas distintas de manifestação se desdobraram, promovendo caracteres que reduzirão cada vez mais o sentido mímico, dando origem à tragédia e à comédia romana. O mimo vai surgir quando o coro se desfizer e os dançarinos ganharem maior independência, como grupo ou isoladamente. Conforme o testemunho dos poetas Ovídio (43 a.C. – 18d.C) e Marcial (40 – 104 d.C), o mimo, além do cômico, realista e grosseiro, explorava o gosto popular parodiando os assuntos da dramaturgia e da mitologia greco-romana. Um primeiro ator conhecido como mimos romano teria sido Pompílio, referido por volta de 212 a.C. Quatro décadas depois os mimos passaram a fazer parte da floralis, festival em homenagem à deusa Flora, de caráter Campestre e licencioso. Assumindo forma literária por volta de 50 d.C., o mimo consagrou Décimo Labério e Publílio Siro (ambos do século I a.C), embora este ainda costumasse improvisar os seus mimos enquanto aquele os escrevia. Labério tornou-se famoso historicamente por sua irreverência até com o próprio César, que o Castigou obrigando-o a interpretar suas personagens, o que era motivo de ofensa e vergonha a um distinguido escritor. Ao contrario do que aconteceu em Atenas, a profissão do ator não era considerada digna, sendo desempenhada por escravos, à exceção do chefe do elenco. Essa situação refletia a condições de escravos dos atores gregos que chegaram a Roma. Vimos que no teatro grego o número de atores nunca foi além de três e os papéis femininos eram representados por interpretes masculinos. No teatro romano, são inúmeros os textos que exigem cinco atores, muito embora um único ator interpretasse várias personagens. As primeiras peças foram representadas por atores gregos e/ou romanos, chamados Comoedis, geralmente histriões recrutados nas camadas inferiores da sociedade. Ainda assim, pela quantidade de teatros construídos , o número de atores foi crescendo a ponto de se criarem escolas de atores dirigidas por retóricos, e até o tempo de Cícero (106-43 a.C.) o ator merecia certa consideração. As ruínas dos teatros de Arles, Orange, Bordéus, Besançon, Roma, Pompéia e Herculano, algumas ainda existentes, dão a idéia do grande número de espectadores que acorriam a estas construções para assistir a um verdadeiro “proletariado de atores”. Os atores constituíam companhias sob a coordenação de um primeiro ator, todos propriedades de um amo ou senhor, que cobravam os soldos que eles ganhavam. As mulheres assumiram já desde o Império os papéis femininos, talvez por influência dos mimos, que sempre foram representados por elencos mistos. A remuneração que os atores recebiam variava segundo o critério dos organizadores e dependia sempre de seus méritos. Uma gratificação extraordinária poderia ser oferecida, caso o trabalho fosse realmente exuberante, além de prêmios, desputados em concursos.. Em muitos casos, após uma série de bons serviços, o ator recebia a tão cobiçada alforria, que lhe dava a possibilidade da profissionalização como professor, como diretor de espetáculos ou, pelo menos, como ator. Contudo, ao lado das recompensas, muitas vezes havia punições, que iam de multas a castigos corporais, passando pela prisão, quando os atores representavam mal ou eram vaiados pelo público ( risco que corriam tanto os libertos quanto os escravos). Outro fator que contribuiu para rebaixar a condição de ator foi o fato de as agremiações de atores gregos, à época da dominação romana, terem admitido em seu meio outras classes de artistas. Assim também os romanos nivelariam atores, gladiadores, atletas, acrobatas e bufões de baixa categoria; também os mimos eram aceitos em suas associações. Apesar de tudo isso, os atores romanos conquistaram pouco a pouco uma condição social mais considerada, que lhes brindou muitas vezes com a convivência governamental, tanto da República quanto do Império. Havia entre os atores alguns favoritos, em torno dos quais o povo chegava a formar verdadeiras torcidas entusiasmadas: Ceteris por exemplo, usufruiu, além da popularidade, luxuosos privilégios públicos por ter sido amante de Marco Antônio (83-30 a.C.); Dionísia granjeou uma renda fora do comum por seu exuberante talento; Pílades, oriundo da Cecília, na Ásia Menor, e grego de nascimento, especializado na pantomima de tragédia, escapou do desterro imposto por Augusto (63 a.C.-14 d.C.) graças a pressão popular que obrigou o imperador a levantar a sentença; Batilo, grego nascido na Alexandria, converteu-se em ídolo das damas romanas por sua graça feminil ao representar leda com o cisne; Glaffo foi citado por Ovídio como famoso pelas cenas de luxúria, a ponto de adotar uma espécie de “ cinturão da castidade masculina” para se defender do assédio das espectadoras. Mas o teatro em Roma foi, tornando-se espetáculo deprimente, atingindo um nível de degradação tal que a sociedade sentia náuseas ante as execráveis encenações. Paris, o velho, e Paris, o jovem, pai e filho, foram vítimas, em seus tempos, do favoritismo e do assassínio promovido pelos imperadores Nero ( 54-68 d.C.) e Domiciano ( 81-96 d. C.); Mnester, outroescandaloso favorito de Messalina(22-48 d.C.), viu certa vez seus espectadores serem açoitados por ordem do imperador Calígula (12 a.C.-41d.C.) em virtude de terem interrompido uma pantomima sua; Favor, denominado arquimímico , representou uma paródia nos funerais do imperador Vespasiano (9-79d.C.); no século l a. C. , Roscius, recrutado dentre os escravos, alcançou tal importância social que foi venerado em seu tempo e teve seu nome reconhecido posteriormente como mestre em sua arte; Teodora, a mima mais famosa da antiguidade bizantina, nascida em Constantinopla, no início do século VI d.C., filha de um guardião do Hipódromo, tornou-se atriz, cortesã e amante do imperador Justiniano I (482-565d.C. ), com quem se casou antes de subir ao trono.Terminou seus dias de escândalos em 548 d.C. e passaria à história como a imperatriz do último reduto ocidental do teatro até a invasão dos bárbaros. O grande educador Quintiliano (30-100 d.C.), na época do imperador Domiciano, tentou a reabilitação já se instituíra, e a Igreja cristã, indignada com a corrupção da cena, vai, através do teólogo romano Tertuliano (155-220 d.C.), “negar aos mimos e pantomimos qualquer pretensão à redenção cristã em sua obra De SPECTACULIS”, a não ser que abandonassem a profissão, segundo rezava o sínodo provincial de Illiberis, Granada, de 305 d.C. por essa época, os mimos buscaram o aplauso parodiando os adeptos e os cerimoniais da nova fé. Ainda assim, no século IV, o católico Arius propôs um teatro cristão para combater o paganismo da cena romana, o que lhe valeu a excomunhão como castigo. No entanto alguns mimos confessaram a nova religião: em 275 d.C., Porfírio se converteu, em Casaréia, na Capadócia; Gelasino, em 279 d.C., na cidade de Heliópolis, na Fenícia; um ano depois, Ardálio, no Oriente. O martírio do ator Genésio, em 303 d.C., em Roma, durante as cruéis perseguições aos cristãos promovidas pelo imperador Diocleciano (245-313 d.C.), promoveu a conversão do mimo a São Genésio, o santo protetor dos atores. O edifício teatral romano tinha a orquestra menos espaços que a do teatro grego; por outro lado, a cena avançava bem mais. Suas construções eram imensas e com capacidade para acolher grandes multidões. Nesses ambientes, a voz era condição precípua para os atores, tanto na tragédia quanto na comédia. No ano 56 a.C., o palco romano imtroduziu, repentinamente, o pano de boca. O trabalho de aprendizagem dos papéis, exigindo esforços pacientes e continuados, afugentou os jovens romanos mais afeitos à improvisação do que à interpretação de textos completos, que deveriam ser declamados de cor e segundo regras consagradas. Além disso, não lhes agradava a condição de escravo que o trabalho disciplinado do teatro exigia, com a posição de homens livres. Daí a preferência pela atelana, que se aproximava bastante dos divertimentos chamados SATURAS, tradicionalmente latinos, nascidos espontaneamente das festas regionais e que comportavam fantasias e máscaras alegres, permitindo aos intérpretes se ocultarem sob os disfarces. Como a SATURA, a atelana era improvisada a partir de um roteiro, não exigindo qualquer esforço de memória, nem de recitação. O ator, nos últimos tempos romanos das invasões bárbaras, quando os teatros são fechados, vai manter-se ambulante com pantomimas e acrobacias. Assim, alcançaram aos poucos a degenerescência ea a espetacularidade mais baixa. Eram recrutados ente pessoas desclassificadas, mercenárias, apelando aos mais grosseiros efeitos para atrair o aplauso de uma sociedade também decadente, de instintos soltos e sensualidade desorientada. Os atores haviam perdido a dignidade e o senso moral, deixando longe no tempo o épico primitivo das atelanas, o primor e o brilho das comédias de Plauto (254-184 a.C.) e de Terêncio (190-159 a.C.).trecho do livro HISTÓRIA E FORMAÇÃO DO ATOR - Enio Carvalho

História do Teatro

DO SÉCULO XVIII AO TEATRO CONTEMPORÂNEO: A FORMAÇÃO DO ATOR -
Nível Teatro de Rua e Clássico


“Cada vez que vou sublinhar uma boa frase minha língua se torna pastosa e a respiração desordenada me estrangula a garganta. Admito Moliere e seus comediantes, que sabem fazer tudo o que não posso por mais rei que eu seja.”
LUÍS XIV, opud E. Bayma, Consejos para um comediante.
As teorias do ator
Até o século XVII nascer, evoluir e se instituir esse patrimônio central do teatro que é o ator. O ápice dessa trajetória, acontecido no lado ocidental da historia do ator, ocorreu com os comediantes italianos do renascimento, já que a commedia dell’arte deve ser reconhecida como a primeira grande oficina de interprete cênico. Foi durante seu extenso período que encontramos mais objetivado o processo de formação do ator, quando até mesmo se cuidou de escrever alguns ensaios.
O século XVIII, e com ele a atividades dos novos teatros em inúmeras cidades, assim como o desenvolvimento de diversas companhias profissionais e o extraordinário êxito de grande numero de atores, trouxe o reflexo imediato desse processo de aprimoramento setorizado da interpretação teatral: conflito de teorias sobre estas atividades. Essas teorias, em alguns momentos, como verdadeiros tratados estéticos, estariam ligadas a sistemas gerais de filosofia, embora poucas apareçam formuladas organicamente. Com a dramaturgia não aconteceu o mesmo, pois podemos encontrar inúmeras estéticas, que evoluíram desde a Antiguidade clássica até o contemporâneo. O espetáculo também suscitou apreciações criticas como obra de arte, que , embora não chegassem a se constituir como estéticas teatrais, ganharam a consideração de verdadeiras poéticas ( ou seja, teorias de literatura dramática embora não necessariamente escrita em versos), e foram fruto de meditação historicamente recente porquanto surgiram de uma nova realidade teatral que da importância ao diretor como responsável central pelo fenômeno global do espetáculo.
A maior parte das teorias do ator resulta de manuais sobre técnicas particulares de representação, ou são depoimentos, prefácios, cartas, autobiografias, enfim, documentário com observações sobre a natureza da psicologia da profissão do comediante. Entre outros trabalhos, destaca-se o impacto polemico da teoria do filosofo Denis Diderot, a tentativa de sistematização completa do ator-diretor Constantin Stanislavski e a atualidade dos problemas e sugestões levantados pelo dramaturgo Bertolt Brecht.
Mas, retornemos nossa evolução histórica.
Desde 1686 as mulheres, finalmente, subiram à cena em toda a extensão territorial européia, enquanto o comediante Joseph Stranitzky exibia com sucesso arlequinesco e guloso Hans Wurst em peças improvisadas no Karntnertortheater de Viena, seu primeiro local permanente de representação, fundado em 1780. Na primeira metade do século XVIII, o teatro alemão melhorou sensivelmente devido a literatura, contudo seus atores ainda usavam a improvisação, mas já se notando um nível artístico mais elevado. A importância artística oumentou a ponto de fundarem uma escola onde os defeitos eram corrigidos, ponto de partida para o posterior desenvolvimento da arte teatral alemã.
O desenvolvimento de algumas companhias, como a de Conrad Ackerman, e o êxito dos atores e atrizes, como Frederica Carolina Neuber (1697-1760), de Leipzig, influenciados pela a idéia dos filósofos franceses e ingleses, assim como pela penetração das companhias italianas,tornaram possível a elaboração de novas formas dramáticas. Dotada de um vigoroso talento organizador, Carolina Neuber estabeleceu para sua companhia uma disciplina modelar, que cuidava da assiduidade, da pontualidade e da moralidade entre seus atores. Vigiava a dicção buscando despertar no ator a idéia ainda não existente de expressão e estrutura. Imitando o estilo clássico dos franceses, os atores neuberianos prolongavam as palavras de forma monótona e um tanto distante da realidade, o que foi motivo de ridículo. Esses atores, influenciados por Christoph Gottsched (1700-1766), professor da Universidade de Leipzig, também preocupado em elevar o nível cênico e dramaturgico, preferiam o classicismo francês em detrimento da dramaturgia inglesa e do mimo com sua qualidade de improvisação. Chegaram ao ponto de excluir o Arlequim de sua cena, apesar da preferência popular.
Promoveu reforma no guarda-roupa, que deixava de ser extravagante, assim como na interpretação teatral, sempre buscando diminuir a importância da improvisação. Segundo Leon Chancerel, a atriz Rietti de A vocação teatral de Wilhelm Meister de Jhoann Wolfgang von /goethe (1749-1832), que outra não era se não Carolina Neuber, confessa:
“Quanto lamento que os comediantes tenham perdido o costume de improvisar! Cem vezes me reprovei ter contribuído para esta decadência. Naturalmente não teria sido mister conservar as antigas grosseiras, nem renunciar representar boas obras. O ator teria conservado o costume se tivesse improvisado somente uma vez por semana; o publico, o gosto pelo gênero e isso teria resultado em vantagens para todos, já que a improvisação era escola e pedra de toque, para o ator. Não se tratava somente de saber seu papel de memória, imaginar que se poderia desempenhá-lo. A alma, a vivacidade, a imaginação , a sagacidade, o conhecimento do palco e a presença de espírito se revelaram a cada passo da maneira mais clara. O ator estava absolutamente obrigado a familiarizar-se com todas as possibilidades que o teatro pode oferecer. Terminava em estar completamente em seu elemento como peixe na água, e o poeta dotado bastante para utilizar estes fatores teria podido produzir sobre o publico um grande efeito.”
Esta confissão contrastava profundamente com aquilo que teria sido o estilo do ator neuberiano, filiado as premissas de Gottsched:
“Propunha-se a graça dos movimentos ondulantes, a solenidade de atitude, a grandiosidade dos gestos apaixonados; mas um espírito de mestre de dança presidia em tudo isso que o tornava afetado e exagerado ao extremo. Os passos pela cena pareciam medidos a compasso. O corpo do ator sustentava-se por um pé, enquanto o outro se colocava descançando sobre a ponta, em coupe pied. Braços e mãos não faziam outra coisa que traçar no ar caprichosos arcos, expressando um pathos completamente alijado da realidade. Os braços pareciam cortar o ar, as mãos eram sacudidas com um movimento de frente para traz.”
Em contrapartida, encontramos a luta de Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) contra o predomínio de patrões estranhos ao teatro alemão, tanto no drama escrito como na encenação teatral. Sua atuação como diretor de cena procurou promover uma maneira mais realista e sadia, uma forma mais nobre e comedida de atuar, embora não completamente natural, onde se adivinha a influencia francesa, que os atores Konrad Eckhof (1720-1778) e Friedrich Ludwig Schroeder (1744-1816), melhor reproduziram, transformando as normas da escola de Carolina Neuber. Tais normas foram estudadas em profundidade na Dramaturgia de Hamburgo (1769), com seus inúmeros comentários e regras para atores. Em 1753, Eckhof fundou uma academia de atores, em Schwein, com vistas de corrigir o modo de recitar exagerado da escola de Leipzig, preferindo para isso os textos de autores alemães e os dramas burgueses. Sua escola, que durou tão somente um ano, “lançou um principio de uma organização em beneficio dos atores, como aposentadoria e assistência social”. Aquelas teses foram melhor experimentadas por Schroeder na interpretação de personagens shakespearianas.
Lessing traduziu obras de Denis Diderot, a quem estimava profundamente, analizando-o em seu ensaio Laocoonte (1766). Como Diderot, considerava fundamental a interpretação cênica do ator, preocupando-se, especialmente, com o problema da palavra, ao mesmo tempo em que propunha que, quando o ator se vê e se escuta, “participa da plástica da poesia”. O ator é o transmissor da poesia, daí a ênfase para o seu aprimoramento técnico “com inteligência e adesão intima”, evocando, para tanto, conselhos de Hamlet aos atores.
trecho do livro HISTÓRIA E FORMAÇÃO DO ATOR - Enio Carvalho


O ator renascentista

Enquanto a farsa, a moralidade e as Fastnachtsspiele ainda floresciam pelo norte europeu, as inovações renascentistas já tinham transformado o teatro e toda a vida cultural italiana. O homem então, buscava alcançar sua soberania espiritual e moral voltando-se cada vez mais pra a realidade da vida terrena; por outro lado, já em sua ultima fase, o mundo medieval do império de Deus, instituído pela Igreja católica romana, declinava.
Em variadas proporções, um dualismo se interpunha: a busca da realidade e a busca apaixonada de Deus. Os cavaleiros medievais, que se dedicavam a idéias espirituais, deixavam de ser a classe portadora da cultura, substituídos pela burguesia, do espírito prático e racional, que, ao mesmo tempo que construía gigantescas catedrais, se voltava para a realidade da vida terrena.
O final do teatro medieval refletiu as várias crises e revoluções que agitaram o Ocidente, quando o homem, centro desse período de transição, se sentiu arrastado entre o céu e a terra. Foi o teatro renascentista italiano que inaugurou uma nova era, que poderíamos denominar era do império do homem, em relação ao império de Deus, da Idade Média. A Itália assumiu a liderança da cultura européia, que manteve até o século XVII, quando, então, nasceu na França um teatro nacional cortesão.
Desde o fim do Império Romano, o desenvolvimento da vida espiritual e artística era obra exclusiva da Igreja, dos bispados, dos monastérios e dos clérigos, todos conservadores das tradições da Antiguidade. No século XV, quando a Itália recomeça a viver tempos de exuberância econômica e política, essas tradições são reunidas e revistas no sentido da nova concepção antropocêntrica. Evoluiu-se , assim, de uma visão teocêntrica do mundo para outra, onde o homem é o centro de tudo, reformando-se a vida e a arte religiosa, libertando-se o homem do misticismo exagerado e do medo, o que lhe possibilita uma nova maneira de ver a beleza da criação.
Enfim, como tradicionalmente se repete, foi uma retomada da cultura helênica, que, durante todo o período medieval, apreendera a versão latina do pensamento grego. Depois da queda de Constantinopla, o deslocamento de bibliotecas e a imigração de eruditos gregos para a Itália permitiram que o homem se libertasse de dependência das autoridades civis e religiosas, e partisse para a descoberta de novos mundos.
Como na antiguidade, a glorificação de homens e seus feitos refletia o poder e a ambição. Os trionfi romanos eram manifestações soberbas, que envolviam toda a comunidade – como, anteriormente, os mistérios medievais – para glorificar grandes e poderosos senhores, como Lorenzo de Médici, o Magnífico (1449 – 1492), ou o papa Pio II (1405 – 1464), como Cesare Borgia (1475 – 1507) ou o papa Leão X (1475 – 1521). Nesse momento, surgiu o teatro da corte, para o qual os grandes artistas da renascença, como Leonardo da Vinci (1452 – 1519), encarregaram-se da criação e construção de maquinas, edifícios, palcos, ricos cenários, cartazes e alegorias, assim como para os triunfos.
Já vimos que os mistérios na Itália ou, mais exatamente, as sacre rappresentazioni eram representadas com tanto luxo decorativo e artístico que o elemento dramático pouco se desenvolveu devido ao excesso de roupas e cenários. Quando o drama profano surgiu, adotou o mesmo luxo e ostentação, a ponto de desviar continuamente a atenção do espectador do conteúdo poético.
A reforma do teatro antigo realizou-se em dois centros no inicio do Renascimento: Roma e Ferrara, objetivando finalidades diversas:
“Se se quiser estabelecer uma linha divisória para o renascimento do teatro, dever-se-ia citar o ano de 1486, quando os humanistas representaram em Roma a primeira tragédia de Sêneca, e o duque de Ferrara, a primeira comedia de Plauto. Nesse ano pareceram impressos os Dez livros sobre arquitetura de Vitrúvio, cuja difusão contribuiu ara modelar o cenário e o teatro segundo o modelo da antiguidade”.
Sêneca, Plauto e Terêncio eram conhecidos e lidos nas escolas e nos claustros da Idade Média. O aparecimento. Em 1428, de doze comédias desconhecidas de Plauto despertou o problema de como deveriam ser representadas. Os humanistas analisaram os textos através de suas indicações cênicas, compararam com diversos comentários de escritores antigos e experimentaram suas conclusões em ruínas de teatros romanos. Mas ainda assim, somaram o espírito antigo à atividade festiva do presente, o que resultou no culto glorioso do passado. É muito possível que o palco com proscênio neutro e as quatro ou cinco portas ao fundo não correspondesse á realidade antiga, contudo atendia às necessidades do momento.
Os autores dramáticos desse teatro cortesão pertenciam, em geral, à corte ou eram favoritos de principais amantes do teatro. Entre os gêneros dramáticos admitidos, três foram os preferidos: a comédia, a pastoral e o intermezzo, sendo este uma pantomima, alegórica e mitológica acompanhada de canto e música instrumental, que chegava a apresentar dragões, panteras e leões – a festa para os olhos tem papel importante nessa evolução teatral. Raramente eram interpretados por atores profissionais, mas por diletantes da sociedade cortesã ou estudantes.
Essa comédia erudita foi se afastando lentamente do modelo antigo, embora mantendo a decoração única, com vistas a obedecer às unidades de tempo, lugar e ação. Pela proximidade dos temas com a vida diária, os atores apresentavam uma atuação muito livre e solta, que possibilitava a improvisação. Muitos padrões típicos foram pela primeira vez enriquecidos com traços característicos, a ponto de alargar o repertório de gestos tradicionais, tendo em vista as novas condições resultantes da perspectiva do tempo e do espaço. Enquanto no teatro medieval o espectador ia de lugar em lugar acompanhando os atores e, às vezes, realizando ele mesmo todas as mutações do espetáculo, o espectador renascentista não estava mais incluído na ação, mas era um observador. E aquele a espectador assistia a um ator de grandes gestos.
É claro que a transição do teatro monumental da Idade Média, realizado ao ar livre, para o palco limitado, dentro de uma sala fechada, condicionou uma transformação completa no estilo da interpretação teatral. O gesto monumental e simbólico deu lugar a movimentos, deslocações e gestos muito mais medidos, adaptando-se ao ritmo imposto pelo palco limitado. Não somente os gestos tornaram-se mais discretos, como passaram, aos poucos, a refletir nuances relativas ao caráter, idade, sexo e situação social das personagens. A palavra não era mais interpretação da ação e dos gestos simbólicos, mas ação e gestos eram também elementos da interpretação da palavra, daí ela ter se revestido de um caráter declamatório. Quando mais a palavra se tornava expressiva, tanto mais a gesticulação se revestia de expressividade e concisão. Um dado fundamental à interpretação teatral do ator começa a ganhar importância: a mímica do rosto, a expressão facial.
No largo palco da renascença a atuação dos atores se desenvolvia em relevo, e todos os movimentos decorriam da esquerda para a direita e vice-versa: ainda não se instituíra a ação no sentido da profundidade do palco. Os agrupamentos cênicos eram ordenados simultaneamente, o que refletia a preocupação de obediência aos princípios neo-aristotélicos da poéticas renascentistas. Por outro lado, a fonte bibliográfica mais importante para conhecermos aspectos, embora não muito aprofundados, da interpretação teatral da comédia palaciana da Renascença da Itália é o Dialogo terceiro sobre a arte do teatro do teórico e comediógrafo italiano Leone de Sommi (1527 – 1592). Para ele o traje é da máxima importante nesse espetáculo cortesão, que exige indumentárias suntuosas e, para reforçar o efeito, trajes exóticos ou históricos. Para que a ação dramática ganhasse a moldura faustosa da decoração renascentista, todos os trajes deveriam ser exagerados nas suas cores e formas para enaltecer o magnífico e o extraordinário.
Durante a Renascença, os atores diletantes do ambiente da corte ou acadêmico foram aos poucos sendo substituídos por atores profissionais. Desde Ângelo Beolco (1502-1542), cognominado Ruzzante, grande ator e dramaturgo, ate a galeria de precursores e interpretes da commedia dell’arte, observamos uma evolução tão exuberante que tornou a Itália um dos grandes coentros europeus do teatro profissional. Ângelo Beolco foi o primeiro a transformar-se de ator em autor, sendo considerado o pai do profissionalismo italiano e, ate mesmo, europeu, abrindo caminho para Molière e Shakespeare. Ele, efetivamente, inaugurou uma nova época, em que os atores começaram a ficar conhecidos. Surgiu, a partir daí, o culto da individualidade, uma das marcas do Renascimento. Escreveram-se as primeiras biografias, e a vida particular passou a ser conhecida, surgindo a vedete. Certamente, isso estaria refletindo o monoteísmo medieval, agora o nível do humano. O ator medieval representava no meio do publico; o ator renascentista era observando, assistindo em destaque no novo palco italiano.
A Renascença invadiu a França numa época de forte concentração do poder real. O brilho da corte de Paris era ainda menor que o das numerosas pequenas cortes dos príncipes italianos. A alta aristocracia esforçava-se por contradizer as tendências centralizadoras dos reis, e as lutas religiosas provocavam numerosas situações criticas.
As entrées solennelles, realizadas pelas ruas cobertas e ricamente ornamentadas para os festivos cortejos – como o que comemorou a entrada de Carlos IX (1550-1574) em Paris, em 1572 -, tinham as características dos trionfi italianos. O Ballet Comique de la Reine, de 1581, tornou-se mundialmente famoso quando de sua apresentação em Versalhes por ordem do rei Henrique III (1551-1589), a partir do qual, os ballet comédie acresceram-se de recitações, ária, pantomimas e danças, ganhando assim unidade teatral. Mais de dez mil pessoas assistiram àquele espetáculo. Nele, a dança era o elemento mais importante. Nesse novo gênero teatral tipicamente francês, o ator-bailarino realizava movimentos bastante geométricos, daí o nome: ballet mesure. A rainha e suas damas de corte representavam no Ballet Comique de la Reine iniciando uma linha evolutiva que alcançou o rei Luís XIV (1638-1715) com o seu papel predominante no balé e no teatro da corte. O conceito social do ator renascentista francês apresentou sensíveis melhorias.
Os atores do teatro falado, de início, também forem diletantes, mas organizados em companhias como as medievais, já vistas. A profissionalização apareceu relativamente tarde. Como a atividade das antigas sociedades, como a Confraria da Paixão ou a Basoches de Paris, se tornara cada vez mais limitada e dificultada pelas autoridades no decorrer das lutas políticas e religiosas, essas companhias deixaram aos poucos de desfrutar dos antigos privilégios. Começaram, então, a alugar suas dependências às novas companhias de atores profissionais formadas nas província e convidadas a se apresentar na corte. Os atores italianos foram os primeiros a percorrer a França, ate aparecerem em Paris, a partir de 1530. foram em geral contratados pelos cortesãos, como os famosos I Comici Gelosi, em 1571, para depois se apresentarem ao publico mais amplo.
Já na primeira metade do século XVI, os atores se profissionalizaram a partir de Jean de l’Espine, que terá sido, provavelmente, o primeiro a tentar a organização de uma companhia teatral francesa. Saído de uma daquelas companhias de diletantes, a Enfants sans Souci, recrutou seus próprios filhos e compôs o elenco.posteriormente, ainda no correr do século XVI, inúmeras companhias, a exemplo dos italianos, passaram a contratar mulheres. Em 1599, a companhia de Valleran-Lecomte, com sua mulher Marie Vernier, estabeleceu-se definitivamente em Paris, no Hotel de Bourgogne, alugado da Confraria da Paixão, e o profissionalismo já predominava criando bases para o apogeu do teatro francês do século XVII. As companhias italianas continuaram promovendo forte concorrência aos franceses, que, apesar disso, sofreram mais influencia de seu teatro, conforme atestava a sólida admiração de Jean-Baptiste Poquelin (1622-1964), cognominado Molière, por Tibério Fiorilli (1608-1694), cognominado Scaramouche.
Na província, surgiram grupos para a representação de uma nova arte dramática, nos quais sempre estiveram presentes os estudantes. A vida cultural provinciana ainda era muito rica, enquanto o predomínio da capital não a tinha sufocado. Somente durante os anos anárquicos de 1586-91 as representações foram interrompidas. Alguns desses grupos estudantis se profissionalizaram, apresentando, pelas varias cidades, tragédias, que se tornaram o gênero predominante do teatro clássico francês, além de intensificar a educação do publico. Foi também na província que as companhias profissionais, cada vez mais numerosas, incluíram tragédias e comédias em seus repertórios. Apresentavam sempre uma tragédia e encerravam a representação com uma comedia ou farsa.
Robert Garnier (1544-1590), juiz, estadista e dramaturgo dos mais i8nfluentes da Renascença francesa, aprofundou-se no estudo do caráter feminino, alimentando assim uma interpretação mais psicológica para as grandes atrizes do século XVII, que ultrapassava os limites impostos pela eloqüência.
Quanto à encarnação, temos, de um lado, as representações relativamente pouco numerosas, mas suntuosamente decoradas das cortes italianas e, de outro, as representações dos colégios e das companhias profissionais, de palco neutro e simples, limitado por tapetes e cortinas. Enquanto as encenações de tragédias e comedias eram exceções nas cortes, em comparação com as encenações dos bales dramáticos, os teatros dos colégios cediam à improvisação dos novos gêneros dramáticos das companhias ambulantes.
O teatro alemão na Renascença não conheceu uma decoração pintada no sentido de uma determinação realista do espaço. O palco era sempre neutro, para que o ator pudesse criar a ilusão cênica do lugar. Às vezes, o palco traseiro era utilizado para representar diferentes interiores, um após o outro, realizando-se, assim, o palco sucessivo.
Falamos, ate aqui, do ator renascentista do teatro ligado às cortes e escolas da Europa, da comedia erudita, também chamada commedia sostenuta, deixando a visão barroca da interpretação teatral para mais tarde.
Vamos, agora, observar os intérpretes profissionais, os comediantes mais populares, como os da commedia dell’arte, onde o ator dominava soberanamente, o ponto de ela ser considerada o primeiro grande laboratório do ator moderno. A palavra ARTE aparece aqui no sentido do ator de profissão, do ator de qualidade aprimorada, do ator especialista, diverso do diletante. Para PIERRE-LOUIS DUCHARTRE, devemos entender commedia dell’arte como um gênero de comédia “que não poderá ser verdadeiramente bem interpretada se não por gens du metier [SIC]”. Por tratar-se de uma comédia diferente da comédia escrita, somente os amadores excepcionalmente dotados para a improvisação poderão interpretar este gênero, já que por seus dons naturais serão considerados “hommes de Part”.
O ator da comédia erudita da corte logo declinou, em vista da concorrência da ópera, do drama lírico. Por outro lado, a partir de 1545, a comédia popular passou por um período de grande evolução com o aparecimento dos primeiros comediantes, aos quais se juntaram grupos de atores vindos de todas as camadas sociais. A improvisação, assim como a voz, a gesticulação e a mímica corporal, ganharam importância ainda maior.
“O dualismo entre teatro literário e teatro popular ressurge na forma mais rígida. Os dois teatros desenvolveram-se independentemente um do outro, no mais geométrico paralelismo: eles se desconhecem. E a diferença básica já começa a ser esta: o teatro das cortes é escrito, forma-se imediatamente sobre os modelos gregos e latinos, e não consegue alcançar resultados propriamente teatrais; o teatro do povo é improvisado, leva quase dois séculos antes de se formar definitivamente, não tem quase modelos e alcança resultados exclusivamente teatrais”.
Inúmeros atores ficaram famosos a contar do paduano Angelo Beolco, com o seu divertido Ruzzante. Seu discípulo e continuados, Andréa Calmo (1510-1571), de Veneza, como seu mestre, também explorava os achados verbais oriundos dos vários dialetos italianos; Alberto Ganassa, de Bérgamo, ficou conhecido por seu Arlequim na corte francesa de Carlos IX; Flamínio Scala, diretor da companhia I Comici Gelosi, ficou famoso como enamorado Flávio; Francesco Grazzizno (1503-1584), cognominado il Lasca, e, sobretudo, Tibério Fiorilli, conhecido como Scaramouche, que se imortalizou como o “mestre de Molière”, assim como ganhou o titulo de “comediante de reis e rei dos comediantes”. É grande a relação de nomes que ganharam a admiração publica com sua arte de interpretar comedias. A partir da Itália conquistaram outros paises, especialmente a França: I Gelosi passaram a denominar-se Comédiens du Roi, elenco fundado pelo cardeal Mazarino no reinado de Luis XIV. Isabella Andreini, alem da admiração do rei Henrique II, tornou-se a mais famosa atriz da commedia dell’arte, conhecida também graças aos versos que lhe dedicou Torquato Tasso (1544-1595), tendo recebido grandes homenagens quando de seu sepultamento, em 1604.
Famílias inteiras de atores profissionais se sucediam, passando de geração a geração suas técnicas particulares e a disciplina rigorosa para o exercício cênico. Uma coleção de gestos e movimentos corporais adequados, de expressões fisionômicas e mímicas sustentava o brilho de suas interpretações, que pareciam ser improvisações do momento.
A tradição do improviso foi herdada dos mimos ambulantes, que tinham a qualidade de se adaptar aos costumes do lugar em que se apresentavam. Assim, ela teve suas raízes na vida popular e evoluiu em oposição ao tetaro literário dos humanistas.l seu impulso mais imediato viria dos festejos carnavalescos, com seu desfile de mascaras, seus trajes satíricos, suas representações acrobáticas. Não apresentavam convenções literárias, nem mesmo um texto apropriado; não tinham uma casa de espetáculos, mas uma palco improvisado, que poderia ser montado a qualquer momento e em qualquer lugar, o que não comprometia o nível excelente e cada vez mais aprimorado de suas representações. Ainda se apresentavam para um publico desordenado e livre para se locomover e se distrair com os outros objetivos. Por tudo isso, os estilos dessas representações era direto, rápido e extraordinariamente sensível à menor manifestação dos espectadores, dando ensejo, assim, a um virtuosismo construído habilidosamente.
O ator desse teatro treinava habitualmente a sua voz, seus gestos, buscando despersonalizá-los. Seu treino diário incluía o exercício e o estudo da musica, da dança, do mimo, da esgrima e exercícios de circo e prestidigitação.
O elenco compunha-se de oito atores, em media, para o desempenho de dez a doze personagens, que se especializavam em determinados tipos de igual importância. Não obedecia a um texto escrito mas a um esquema cujos extratos eram colocados lateralmente na cena, e a partir do qual improvisava sob a orientação de um diretor de cena, o corago. Esses esquemas ou roteiros inspiravam-se em fragmentos de comedias eruditas, como as de Terêncio e Plauto, mas basicamente apresentando sempre uma mistura desordenada de equívocos. A partir daí, cresceu desproporcionadamente a importância do ator e desapareceu, quase por completo, a figura do poeta dramático italiano.
“Todas as possibilidades de uma representação cênica onde dominam a liberdade e o talento do ator eram permitidas, de uma representação que se desenvolvia e variava à medida da improvisação, no meio das intrigas mais complicadas, com surpresas sempre preparadas para seduzir os espectadores. Essas qualidades de acrobacia, dança, argumentação, exigidas ao ator, derivavam também do conhecimento de atos humanos observados na vida e restituídos com todo o espírito de realidade possível. A sua ousadia influenciaria a comedia e mesmo o gênero das pastorais, que prosseguiu a sua evolução durante todo o século XVI”.
As personagens que compunham essa galeria tradicional de mascaras incluíram: o Arlequim (Arlecchino), uma das mais antigas mascaras de comédia e das mais populares, era o esperto criado vindo de Bérgamo, sempre esfomeado, que vestia uma roupa cheia de remendos coloridos e usava uma meia mascara preta com uma testa alta, alem de ser excelente dançarino e servir-se sempre dos demais criados, como ele, chamados zanni.
“O zanno aparece de preferência como uma fusão de dois. É inteligente e malicioso ou amável e tonto, mais nos dois casos, glutão. [...] Seguidores dos zanni são Brighella e Arlequim, são os Trufaldinos, Trivallino, Coviello, Mezzetino, Fritellino, Pecholino, são Hanswurst, Peckelhering, Pulcinella de Acerra converteu-se, na Inglaterra, em Punch; na França, em Polichinelle; na Rússia, em Petruschka, e o Kasperl alemão adotou algumas de suas formas”.
Um segundo criado era o Brighella, também bergamasco, o mais inquietante de todos; veiculador de intrigas, tem seu nome originário de briga. No século XVIII tornou-se personagem tão importante como Scapino ou Sganarello; um terceiro e destacado criado era o Polichinelo, napolitano, sentimental, guloso, preguiçoso e fatalista, tinha o privilegio singular de possuir dois pais, Maccus e Bucco, personagens das atelanas, vestia-se de branco e era inigualável cantor; e, por fim, cabe destacar a Columbina, que também aparece com os nomes de Esmeraldina, Coralina, Diamantina etc., e que era a correspondente feminina de Arlequim, uma criada que buscava sua ascensão social ou após a Revolução Francesa, permanecia fiel à sua condição. Alem dos criados, entre os mais distinguidos na escala social, destacava-se: o Pantaleão (Pantaleone), cidadão veneziano e velho mercador de longas barbas vermelhas, que descendia do antigo Pappus, e era um avarento negociante que segurava os aristocratas com os seus empréstimos; o Doutor (Dottore), um medico ou advogado formado na universidade de Bolonha, de respeitável idade, vestido de preto, sempre portando livros para usa-los nas ocasiões em que necessitasse, especialmente nas longas e prolongadas discussões em que se envolvia com Pantaleão. Incluía-se ainda o Capitão (Capitán), descendente do miles gloriosus da comedia romana da ultima fase, que era mentiroso, covarde e sempre se gabava de suas façanhas bélicas; era, geralmente, italiano, espanhol ou francês, e enamorado de inúmeras princesas. Por fim, vale destacar ainda o Pedrolino, um valet mais elaborado e amoroso, mais divulgado pelo tipo francês do Pierrô; e os Amorosos (Innamorati), pares jovens e românticos, de boa aparência e sem mascaras, irrequietos e um pouco ridículos, de linguagem aprimorada, “traduzindo mais uma maneira de ser do que uma personalidade”.
Tais máscaras desde logo alcançaram a perfeição. Qualquer assunto era usado como tema para ganhar inúmeras peripécias na cena, onde os truques e efeitos, chamados lazzi, manifestavam seu substrato popular e tinham uma característica dramática que se tornou própria da commedia dell’arte, mas que vai chegar aos tempos modernos com o Carlitos de Charles Chaplin (1889 – 1977).
“O ator improvisava todo o seu texto? Exceto as ocorrências que o seu demônio lhe sopra ou que nascem de algum incidente, geralmente premedita cuidadosamente seu trabalho e sua repercussão. [...] Mesmo quando se expande em precipitação, o discurso não dirige a ação; parece, quando muito, nasce dela. De qualquer modo, só executa a parte que lhe é destinada no conjunto. Além do mais, o fato de vir mascarado estende sua mímica a todo o corpo: a mímica se converte em dança . assim a naturalidade obedece à fantasia; o virtuoso preserva a espontaneidade”.
A contribuição de commedia dell’arte ao aprimoramento do ator foi o primeiro grande momento de historia que se possa contar sobre ele. Sua arte de improvisar, que a princípio poderia parecer simplesmente espontânea, era adquirida após seqüentes exercícios preparatórios. Existem tratados e composições, manuscritos ou impressos, como os zibaldoni, libretos que continham as partes mais difíceis e, especialmente, as amorosas. Alguns depoimentos, como as Memórias de Domenico Biancolelli (1661) ou L’arte rappresentativa de Andréa Perruci (1699), dão conta de que tais efeitos eram passados de pai para filhos, memorizados, modificados e aprimorados pelos mais novos, tendo se criado assim um extenso acervo para o ator. Este ator resultante de um processo evolutivo e nascido das manifestações espontâneas do popular vai de imediato contagiar outros povos. Na França, onde condições de vida eram mais estáveis com o crescimento de Paris como capital, o ator parece ter alcançado melhor posição social. Desenvolveram-se as companhias teatrais, como Théâtre Français, antigo Hotel de Bourgogne, que passou a ser administrados por um empresário permanente; o Théâtre Marais, que tinha como sua grande estrela o ator Mondory (1594-1651); a comédia Italiana, onde, desde 1659, atuara Molière, com grande sucesso.
Ainda no século XVI, em Paris, vamos encontrar o Teatro de Feira, onde se apresentavam charlatães que parodiavam com muito êxito os comediantes franceses. Dentre eles se destacou Tabarin, cognomede Antoine Girard, com seu irmão Mondor, que vendia drogas enquanto ele fazia piruetas e contava anedotas, explorando o gênero pornográfico. Trava-se de um teatro mais difícil, que não admitia amadores, mas profissionais eficientes. Tabarin fez fortuna e segundo alguns historiadores, teria renegado seu passado artístico ao se retirar para o domínio senhorial, próximo de Paris. Segundo a lenda, morreu assassinado numa emboscada.
Em sua infância, Molière teria assistido Tabarin nos espetáculos de feira. Depois de tentar o gênero trágico, em Paris, reuniu um elenco e percorreu a província francesa, oportunidade em que encontrou os atores italianos e, com eles, exercitou sua vocação para a comédia. Retornou a Paris em 1658, alternando suas apresentações no teatro Petit Bourbon com os atores do celebre Scaramouche, de Tibério Fiorilli, com cujo convívio muito lucrou. Graças ao patrocínio de Mazzarin, criou juntamente com Jean-Baptiste Lully (1632-1687) a comedia-balé para entretenimento dos cortesãos, oportunidade em que apresentava suas comedias.
Graças a aprendizagem com os atores italianos, a representação dos atores de Molière tornou-se mais apurados, ao mesmo tempo que valorizou aos poucos os aspectos literários de construção dos enredos, dos diálogos e da própria ação dramática. Seu estilo requintado criticava a própria sociedade que o assistia. Seus atores obtiveram funções oficiais na corte. Como intérprete, Molière sabia utilizar a mímica em sua atuações, assim como a interrupção e o contraste. Sua teoria do ator, portanto, se apoiaria na pratica e experiência do comediante.
Molière morreu, praticamente, em cena, quando representava sua comédia O doente imaginário, em 1673. para seu sepultamento, foi necessária a intervenção do rei Luís XVI, uma vez que lhe fora negada a extrema-unção e o campo-santo. Por fim, o arcebispo de Paris concedeu que o sepultamento se realizasse durante a noite, às escondidas... “Molière foi tão apaixonado ator como compositor de comedias. Como autor escrevia para o ator, como ator guiava a pena do autor”.
Na Espanha do século XVI, encontraremos o autor e ator sevilhano Lope de Rueda (1510-1565), que também foi influenciado pelos comediantes ambulantes da Itália. Foi um fértil preparador do teatro espanhol, que culminaria em Lope de Vega (1562-1635). Inventou uma peça curta chamada paso, que era apresentada em praça publica para atrair a multidão para suas comedias. Segundo Cervantes (1547-1616), todo o equipamento do ator de Rueda cabia num saco:
“Era constituído quase só por quatro jaquetas de pele de carneiro, brancas e bordadas a cabedal dourada, quatro barbas e cabeleiras postiças e quatro cajados de pastor. [...] A própria cena era composta de quadro bancos sobre os quais se apoiavam algumas tábuas, o que elevava os atores a um palmo acima do solo. Não se viam descer do céu nuvens transportando anjos ou almas. O cenário consistia numa velha cobertura que se estendia de um lado a outro do palco sobre duas cordas, formando aquilo a que se chamava vestiário. Atrás dela eram colocados os músicos, que cantavam sem guitarra qualquer romanza antiga”.
Lope de Rueda foi considerado o precursor do Gracioso, a personagem cômica aprimorada de Lope de Vega.
Na Inglaterra, o carpinteiro James Burbage, pai do celebre Richard Burbage (1567-1619), que teria sido o primeiro interprete shakespeariano, constituiu, fora do perímetro urbano, o primeiro teatro estável de Londres, em 1576. Denominou-o The Theatre. Foi primeiro teatro europeu para atividades comerciais. Quando William Shakespeare (1564-1616) chegou a Londres, a cidade já contava com mais dois teatros isabelinos: The Curtain e The Rose.
Em 1546, enquanto o Quenn’s College expulsava todo estudante que se negasse a atuar numa comedia ou tragédia ou que não assistisse à sua representação, as apresentações teatrais ainda se realizavam com companhias ambulantes de atores. Em 1572, uma lei exigiu que os atores se constituíssem em companhias sob proteção de um nobre; caso contrario seriam considerados vagabundos e marginais. O rei Ricardo III já contava com atores sob sua tutela antes mesmo de subir ao trono em 1483, e o rei Henrique VIII economizava as custas das viagens acompanhando-se de atores ambulantes, o que agradava muito ao povo. Em 1574, lorde Leicester reuniu um elenco de interpretes, entre os quais se encontrava em destaque o mesmo James Burbage, que vinha trabalhando numa hospedaria da Grace Church Street. Em 1594, esse local serviu como sede de inverno da Lord Chamberlain’s Men, do qual fazia parte Shakespeare. Quando o jovem ator William Shakespeare chegou à cena londrina, em 1586, o interprete teatral já tinha assegurado seu lugar na vida profissional.
Os atores mais destacados eram contratados pelo Her Majesty’s Players. Com o correr do tempo constituíram-se vinte e quatro companhias, que, certamente, não trabalhavam todas ao mesmo tempo. Shakespeare, por exemplo, que antes de integrar a de lorde Chamberlain já estivera com a Lord Hudson’s Men, trabalhou, por fim, na The King’s Men até se tornar co-proprietário da The Globe, em 1599. Apareceu em pequenos papeis até 1603, quando passou a se dedicar às atividades de autor e empresário teatral até se retirar para sua terra natal, em 1612 – um ano antes do incêndio de seu teatro.
Segundo depoimento do padre holandês Johannes De Witt, de Utrecht, que chegou a Londres em 1596, existiam então naquela cidade quantro teatros, dos quais os mais belos seriam The Rose e The Swan, sendo este o maior. De Witt deichou para a posteridade a única cópia do interior de um teatro elizabetano, conforme um esboço desenhado. Os outros dois teatros seriam The Fortune (erguido em 1600) e The Globe.
Até 1592, aproximadamente, os drams de Christopher Marlowe (1564-1593) foram representados pelos atores da Lord Admiral’s Men, entre os quais estava Edward Alleyn (1566-1626), talvez o mais célebre da época ao lado de James Burbage, também famoso por sua força expressiva mesmo nas cenas mudas. Para ambos o grande momento do ator chegava quando avançavam até a beira do palco e diziam o grande discurso, mostrando suas lagrimas e fazendo o auditório estremecer com palavras cruéis. Este patetismo, Shakespeariano vai criticar em seu conselho aos atores no Hamlet, ato III cena II.
“Em tudo isto não existe qualquer mistério, mas antes evidente convenção, aceita por todos, e que torna supérfluo qualquer cenário propriamente dito. Nesse lugar ideal (múltiplo e simultâneo) para a ação dramática, apenas se introduzem tapeçarias, praticáveis e numerosos e variados adereços. Nele o ator está à vontade para representar, e para valorizar a riqueza e o luxo dos seus diversos fatos. Aí se desenrola a peça sem interrupções, num movimento rápido, com o concurso de uma numero a figuração de músicos, de fanfarras, de canções, assim como de ruídos, como os da tempestade e do vento, por exemplo, e até tiros de canhão... Mas sem jogos de luz, pois as representações realizavam-se à tarde, sugerindo a iluminação posteriormente, na altura em que se construirão os teatros cobertos.”.
O publico envolvia a parte proeminente do palco atuando e fazendo barulho, agredindo, às vezes, os atores e o autor; quase convivia com o espetáculo atirando comida ou cascas nos atores que não lhe agradavam. Ainda não tínhamos uma distinção entre ator e publico, e o comportamento deste lembrava os teatros feiras. Em 1642, os puritanos, vencedores da revolução burguesa na Inglaterra, Fecharam os teatros; Na França, Molière inaugurava o Illustre Théâtre.
A Alemanha foi visitada por companhias inglesas entro os anos de 1585 a 1659, as quais se apresentavam com grande sucesso representando sempre um inglês. Em 1586, cinco atores, sob a direção de William Kemple, apresentaram-se na corte de Dresden; em 1592, Robert Browne, com maior número de atores, viajou pela Alemanha. Algumas companhias permaneceram sob o patrocínio de príncipes e nobres. Logo apareceram os imitadores, que, inicialmente, representavam em inglês até surgirem as traduções integrais.
Os atores ingleses levaram um tipow de personagem cômico, como o bufão, o arlequim, que se apresentava mesmo nos intervalos das grandes tragédias. Assim foram criados os tipos cômicos: Pickelhering e Hans Knapkäse. O ator inglês Thomas Sackville, em 1592, chegou à Alemanha apresentando o seu palhaço Fan Bouschet, que, mais tarde, transformou-se no Molkenbier. O duque Heinrich Julius de Brunswick, fascinado com o seu trabalho, escreveu uma dezena de comédias, fortemente moralizadas, para a interpretação de Sackville. Aos comediantes ingleses, que não eram os melhores, uma vez que fugiam à intensa competição na Inglaterra, pagava-se melhor do que aos alemães 1628, estes recebiam a metade do valor que se paga àqueles.os alemães Treu, Eckher, Kühlmann, entre outros, inclusive clérigos que abandonaram a vida eclesiástica pelo teatro, possuíam elevado grau de instrução apesar da lamentável desconsideração social ao ator alemão. Isto iria perturbar até fins do século XVIII, devido à reputação de inúmeros atores marginais das bufonas sem valor literário, nem sempre reconhecidas pela igreja e pela sociedade, os quais costumavam recorrer à improvisação teatral, por influencia dos italianos, já que a meta era agradar ao publico a qualquer preço.
A companhia de Johan Valthen (1640 – 1693), que compunha principalmente de estudantes, realizou excursões pela Alemanha apresentando textos de Molière, Goldoni, Calderón e Corneille. Em 1685, seus atores foram nomeados comediantes da corte as Saxônia, formando assim o primeiro teatro real Alemão. Nele, a arte da improvisação permaneceu, sendo, em algumas cenas, conservado o texto original, enquanto se improvisava o restante. O discípulo de Velthen, Anton Joseph Stranitzky (1676-1726), considerado o fundador do teatro popular vienense, aproveitando as lições do mestre criou um Arlequim mais autentico na figura do Han Wurst (João Salsicha), calcado no Pickelhering e retirando da psicologia popular com o estudo da psicologia humana, para reproduzi-la de forma artística.
O Renascimento no teatro assistiu ao aparecimento da atriz,que, aos poucos, foi ganhando o primeiro plano a ponto de se tornar também autora teatral, como Aphra Behn (1640-1689) durante o teatro da Restauração na Inglaterra. Os ingleses assistiram à representação de uma atriz pela primeira vez num elenco francês enviado por Luís XIII, em 1629, tendo sido a Inglaterra o ultimo país a aceitar uma mulher no palco, enquanto a commedia dell’arte contava com a presença feminina desde suas origens.
Buscando a diferença entre o ator, assim como entre o teatro, de maneira geral, do Renascimento e o do Barroco europeu, quando o teatro se tornou o mais alto acontecimento artístico, observamos que o ator estava inserido num mundo, o palco, onde “Deus seria o autor e o encenador desse teatro universal”, conforme referiu Ruggero Jacobbi. O homem era um ator na mão de Deus, e o teatro, parábola do mundo, foi a arte central de todo aquele período. Não houve nação européia que não fosse atingida pela onde teatral barroca; nem mesmo as comunidades luteranas e a sua burguesia resistente à Contra-reforma. O teatro renascentista contentava-se – com exceção dos intermezzi italianos, cheios de alegorias – com decorações simples e alusivas, reservando à palavra, ao gesto e ao traje, portanto ao ator, o efeito mais sugestivo.
O processo de mutações rápidas dos bastidores correspondeu à imagem barroca d mundo e do homem. Para obter o espaço necessário a todas as transformações cênicas, o palco renascentista, muito largo, aprofundou-se. Nele, o interprete, sua atuação mímica, apareceram mais extrovertidos e dinamizados por refletirem a transição incerta entre a realidade e a ilusão. é característico da época barroca o teatro no próprio teatro, produzindo a duplicação da ilusão. E, como o barroca entende o mundo como um palco dirigido pelo encenador divino, o teatro dessa época é teatro dentro do teatro do mundo.
A transformação mais radical da organização e da estrutura do teatro, num paralelo com a renascença, resultou do fato de que o teatro se profissionalizou cada vez mais. Enquanto o teatro escolar e o teatro das ordens religiosas permaneceram teatros diletantes de professores e alunos, o profissionalismo do teatro conquistou toda a Europa com as companhias ambulantes dos diversos países. A grande época do teatro barroco é, por isso, a fase na qual se organizou o teatro ocidental moderno.
COMO ATUAM OS COMEDIANTES ITALIANOS
GHERARDI, Evaristo (1670-1700).
Os comediantes italianos não aprendem nada elo coração, lhe é suficiente, para interpretar uma Comedia, apenas ter observado o sujeito (personagem) um momento antes de estar em cena. Também as mais belas de suas peças são inseparáveis pela ação. O sucesso de suas comedias depende totalmente de seus atores, que dão maior ou menor brilho conforme tenham mais ou menos espírito, e conforme a feliz ou infeliz situação em que se encontrem interpretando.
É essa necessidade de atuar instantaneamente que torna difícil substituir um bom comediante Italiano quando, infelizmente, esse vier a faltar. Não tem ninguém que não possa aprender pelo coração (emoção) e recitar sobre o palco aquilo que tenha aprendido; mas se trata de outra coisa com o comediante italiano> Quando se diz um bom comediante italiano, fala-se de um homem que tem profundidade, que atua mais pela imaginação do que pela memória, que compõe interpretando tudo aquilo que diz, que sabe usar (secundar) tudo aquilo que encontra na cena, ou seja, que casa muito bem suas ações e suas palavras com as de seu comparsa, que sabe entrar imediatamente em qualquer jogo cênico e em todos os movimentos que o outro lhe propõe.
Ela não é como um ator que atua simplesmente de memória: ele jamais entra em cena sem empregar nela, instantaneamente, aquilo que tenha aprendido pela emoção, ficando de tal modo ocupado que, sem se ligar aos movimentos e gestos do seu companheiro, segue o seu roteiro com a impaciência furiosa de se livrar de seu papel como de um fardo que o fatiga de mais [...]
(Advertência à edição de 1694 da compilação “Teatro Italiano”)
trecho do livro HISTÓRIA E FORMAÇÃO DO ATOR - Enio Carvalho





COMMEDIA DELL'ARTE - MÁSCARAS E PERSONAGENS

OS VELHOS (VECCHI)

PANTALEÃO OU PANTALEONE
era um velho mercador veneziano, conservador e muito avarento. É autoritário com seus filhos e empregados, e não suporta ser questionado. Geralmente tem uma filha em idade de casar, fazendo o possível para não pagar o seu dote. Outros personagens tentam tirar proveito de sua avareza. É também um personagem lascivo, e sua atração por jovens donzelas só não é maior que sua paixão pela riqueza.Fisicamente, Pantalone é alto e magro. Sua figura é esguia e sua postura é fechada. Anda com dificuldade e seus movimentos são debilitados devido à idade avançada, porém suas mãos são extremamente ágeis. A sua máscara era negra e caracterizava-se pelo seu nariz adunco e a sua barbicha pontuda.É amigo íntimo e muitas vezes também rival de Graziano, o que gera intermináveis discussões entre eles, especialmente acerca de casamento entre seus filhos.As histórias da commedia dell'arte freqüentemente giram em torno das peripécias de Pantalone, que envolvem sempre seu dinheiro e autoridade, além de seus criados e filha.



GRAZIANO (IL DOTTORE)
Graziano era um intelectual. Pedante, normalmente advogado ou médico, falava em dialeto bolonhês intercalado por palavras ou frases em latim. Sempre carregando um livro, Graziano gostava de ostentar a sua falsa erudição, mas era enganado pelos outros por ser ingênuo. Era um marido ciumento e sua esposa era geralmente infiel.Graziano tem por vezes um filho interessado em casar com a filha de Pantalone, o que é discutido com freqüência entre os dois.Fisicamente Graziano é baixo e gordo, contrastando com o físico de Pantalone. A sua máscara cobria apenas a testa e o nariz.












OS CRIADOS (ZANNI)


ARLECCHINO (ARLEQUIM)
Era o empregado principal, geralmente entrava em cena acompanhado de outros zanni. Destaca-se por sua agilidade e destreza acrobática. É o típico criado esperto, que embora não tenha formação intelectual, é capaz de armar as mais complicadas peripécias, sem jamais pesar as conseqüências que seus atos podem trazer. Mas ele tem também uma enorme habilidade para escapar de situações difíceis, mesmo se mostrando incapaz de pensar em mais de uma coisa de cada vez. Usava uma roupa colorida e remendada, e um cinto onde levava um saco contendo tranqueiras e variados objetos. Também carregava pendurado ao cinto um bastão de madeira. O Arlecchino é uma mesclar de ignorância, simplicidade, ingenuidade e graça. É criado leal, paciente, crédulo e apaixonado.














COLOMBINA Geralmente é a criada pessoal da enamorada. É a única criada feminina, sendo a mais educada e refinada devido à convivência próxima com Isabella. Por vezes é ambiciosa.A Colombina é apaixonada pelo Arlecchino, apesar de ver através de suas armações. Ela tenta fazer dele uma pessoa mais nobre, mas sabe que é impossível, então o ama do jeito que ele é.






BRIGHELLA É um criado que aparece junto com o Arlecchino, trabalhando para Pantalone. Brighella é mais cínico e astuto, além de ser libidinoso. Ele é o iniciador das intrigas que giram na commedia dell'arte.Geralmente há certa rivalidade entre Brighella e Pantalone, da qual o criado sempre se sai bem. Seu cinismo o ajuda na contrução de diversos papéis que ele representa em suas tramas. Também é cantor e apreciador da boa música.





OS ENAMORADOS (INNAMORATI)



ORAZIO
O enamorado masculino, podia também apresentar outros nomes, como Flavio, Ottavio, Lelio ou Fulvio. Geralmente é filho de um dos vecchi, Graziano. Orazio é um personagem egoísta, fútil e vaidoso, vestido sempre na última moda. É também muito ingênuo, sendo alvo fácil das armações do Arlecchino. O enamorado, como é de se esperar, apaixona-se com extrema facilidade. É jovem e atraente, movido à paixão pelas donzelas e pela vida.
ISABELLA
Enamorada feminina, geralmente filha de Pantalone, mas pode aparecer também como sua esposa. É sedutora, apesar de inocente, e apaixona-se facilmente.É uma dama refinada e vaidosa, mas também independente e rebelbe, o que ocasiona diversos conflitos com seu pai.

Pesquisa de personagem PANTALEONE

Um velho muito avarento, velho pão duro.
Não se preocupa com mais nada além do dinheiro.
Pantaleone tem uma postura fechada, pernas juntas e pés ligeiramente abertos, os joelhos flexionados por causa da idade. Sua cabeça e seu quadril são para frente, deixando claro seu apetite sexual.
É possível que por alguns instantes, Pantaleone ou Pantaleão, fique jovem e esqueça sua avareza ao ver uma bela donzela. Ao lembrar de seu cobrador, logo fica muito velho e doente.
Pantaleone tem um cavanhaque branco e um manto negro sobre o casaco vermelho. Sua máscara pode ser negra, caracterzação não é tão rígida o que possibilita que o personagem transite de um sentimento ao outro com maior liberdade.

Disciplina de História do Teatro - Profª Tadica